Sintrajud participa da “Rede de Apoio às Famílias de Vítimas Fatais de Covid-19 no Brasil”, que inclui acolhimento a familiares e memorial em homenagem aos mortos.
Na segunda semana de junho, uma cena nas areias da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, repercutiu nacionalmente. Um homem não identificado arrancou dezenas de cruzes fincadas por ativistas da ONG Rio de Paz em homenagem às vítimas da covid-19 e em protesto pelas políticas públicas de combate à pandemia, apontadas como desastrosas. Inconformado com o que via, o taxista Marcio Antonio do Nascimento Silva reergueu, uma a uma, todas as cruzes. Insultado por alguns observadores, pediu respeito à sua dor: em abril, perdera o filho, Hugo, aos 25 anos, para o coronavírus.
É em meio a essa realidade, na qual há quem se disponha a arrancar cruzes voltadas a vítimas de uma doença, que a iniciativa “Rede de Apoio às Famílias de Vítimas Fatais de Covid-19 no Brasil” chama a atenção e ganha ainda mais relevância. O projeto, do qual o Sintrajud participa como colaborador, inclui a construção virtual de um Memorial das Vítimas do Coronavírus no Brasil.
A proposta começou com um grupo de poucas pessoas, conta o professor de História Paulo César Pedrini, coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo. O apelo à solidariedade rapidamente cresceu. Hoje, já são cerca de 200 pessoas atuando diretamente, por meio das redes sociais. A iniciativa inclui ainda uma série de movimentos, como os trabalhadores sem-terra (MST) e sem-teto (MTST), e a Associação dos Juízes para Democracia (AJD), além de entidades sindicais, como a CSP-Conlutas, a CUT e o Sintrajud. “Reunimos muita gente do movimento sindical, médicos, historiadores, psicólogos, uma rede de apoio às famílias das vítimas. A gente trabalha a questão do luto, que as pessoas não estão tendo direito, apoio psicológico e, muitas vezes, em situação emergencial, apoio material também. Está ampliando dia a dia, estamos com gente em todo brasil. É pouco diante da situação que a gente está enfrentando, mas acho que é uma [iniciativa] importante”, avalia.
Rosto às estatísticas
O Memorial das Vítimas do Coronavírus no Brasil foi lançado contando, inicialmente, um pouco da história de 60 vítimas da covid-19, “O Memorial é para que as pessoas não sejam simplesmente estatística. Pessoas em situação de rua, trabalhadores em geral, dar rosto a esses números”, diz Paulo Pedrini.
Entre as histórias está a de Paula Regina Miranda, auxiliar de enfermagem que atuava na linha de frente do combate à pandemia no hospital Santo Amaro, no Guarujá (SP), que faleceu aos 45 anos. “Era uma mulher guerreira, batalhadora, esforçada, que sempre deu seu melhor em tudo que fazia. Era a melhor mãe do mundo. Sempre se dedicou muito à profissão, era muito correta em tudo que fazia e cuidava dos pacientes com muito amor”, escreveu a filha Stephanie Miranda, órfã aos 20 anos.
O movimento busca dar especial atenção às periferias, comunidades que mais sofrem com o coronavírus e que já vivem sob outras constantes ameaças no dia a dia. “De certa forma, a democracia não chegou na periferia, onde você convive diariamente com a violência, o racismo, as opressões. A política de morte não é só na pandemia, existe uma política de morte o tempo todo. Hoje, a cada 24 minutos morre um jovem negro, é uma pandemia permanente”, relata.
Servidores da categoria vitimados pela doença também estão homenageados lá. Até o momento, comunicados ao Sindicato, são eles: os oficiais de justiça do TRT-2 José Palitot Jr. e Clarice Fuchita Kestring, Roberto José Alberto ‘Balalaica’ (servidor da Justiça Federal na capital) e Nádia Graça Molinas (aposentada do TRT-2).
‘Na contramão do mundo’
No trabalho cotidiano, Paulo Pedrini percebe que a rede vem crescendo a partir da necessidade das pessoas, que procuram apoio. Essa percepção amplia a preocupação com os rumos que o combate à crise sanitária vem tomando no Brasil, já considerado por cientistas o epicentro da pandemia no mundo. “São preocupantes essas medidas porque a gente sabe a serviço de quem estão sendo tomadas. Os números estão aumentando e há medidas de abertura do comércio, a gente sabe que isso tem a ver com a pressão do capital”, critica. “É um governo na contramão do mundo, não dos governantes, mas das orientações da Organização Mundial da Saúde. As estatísticas não param de crescer e cada vez mais a gente está perdendo vidas”, lamenta.
O movimento atua em cinco frentes, além do Memorial: orientações gerais úteis para familiares; orientações para velórios, sepultamentos e rituais de despedida, mesmo que virtuais; acolhimento, apoio e possíveis encaminhamentos para as vítimas e familiares (assistência e amparo psicossocial imediatos e continuados pós-trauma); rede de apoio de jornalistas e cientistas sociais para levantamento de informações e eventuais denúncias; e apoio material emergencial. O movimento estuda criar um fundo de solidariedade.
Todos podem participar
A rede está aberta a quem desejar participar e contribuir. O contato pode ser feito pelo Facebook ou pelo e-mail do movimento (memorialcoronabrasil@gmail.com). “É um espaço horizontal, plural, onde a maior preocupação, independente de qualquer coisa, é a defesa da vida. A gente tomou muito esse cuidado de não tentar tirar proveito da rede em função de política eleitoral. Todos são bem-vindos, mas com [essas condições]”, diz o coordenador da Pastoral Operária.
As diversas frentes de atuação da rede expressam uma forte preocupação em ajudar quem, ao perder seu familiar, não pode se despedir, viver o luto, e ainda se depara com a hostilidade e desrespeito de certos setores da sociedade por sua dor – como o taxista Marco Antonio, que reergueu as cruzes fincadas na areia e derrubadas pelo bolsonarista. “É a nossa história, a preservação da história dessas pessoas é uma forma de homenageá-las”, resume Paulo Pedrini.
*Matéria publicada originalmente no site www.sintrajud.org.br
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