"Contribuir com o fortalecimento das Organizações Sociais na perspectiva da defesa dos direitos e da transformação social, construindo parcerias e dando visibilidade a práticas sociais inovadoras".

Projeto de Lei para enfrentamento ao tráfico de pessoas tramita na Câmara dos Deputados

O PL 397 tramita na câmara, mas ainda não teve a participação da sociedade civil

 

 

 

 

Por Comunicação CEETH

 

A Organização das Nações Unidas (ONU), afirma que o tráfico de pessoas é a terceira atividade ilegal mais lucrativa do mundo e aponta que a ausência de políticas implica inclusive na demanda de dados. Para este tipo de crime é necessário ações do Estado para monitorar e obter respostas para salvar milhares de pessoas, vítimas das modalidades desse crime. Bem antes da criação da Comissão Especial de Enfrentamento ao Tráfico Humano da CNBB, em 2016, religiosos/as e leigos/as já contribuíam para a conscientização da sociedade brasileira sobre a temática do Tráfico de Pessoas.  Desde os anos 2000 grupos de trabalho despertaram várias organizações da sociedade civil para fortalecer o enfrentamento através de processos formativos e na construção de políticas públicas.
A Campanha da Fraternidade da CNBB de 2014 que teve como tema: Fraternidade e o Tráfico Humano, contribuiu para aproximar a sociedade brasileira da temática. Nesse período o país constituiu conselhos, leis e mecanismos de enfrentamento, porém ainda está longe de políticas efetivas. Atualmente está em trâmite na Câmara Federal o Projeto de Lei 397/23 com a proposta para criar o programa “Voo para a Liberdade”, para fins de combater o tráfico de pessoas em aeronaves nacionais e internacionais nos aeroportos do país.
No mês de setembro, o Projeto de Lei 397, passou na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, do qual foi aprovado o texto substitutivo do relator, o deputado General Pazuello (PL-RJ), que propôs em um dos artigos a implantação de mecanismos de comunicação com autoridades em rodoviárias, ferroviárias, portos e aeroportos, com o objetivo de denunciar situações suspeitas e de risco.
O projeto de lei que tramita na Câmara, tem inspiração no programa “Projeto Liberdade no Ar” que existe há quatro anos, com a iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT). O objetivo do programa é conscientizar trabalhadores e viajantes em terminais rodoviários e portos e aeroportos sobre os riscos e formas de denunciar o tráfico de pessoas. Andrea Gondim, procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT- MT), que gerencia o projeto, falou com a reportagem do Cepast-CNBB sobre a iniciativa do projeto que agora incentiva o projeto de lei.

 

Foto| Agência Brasil

Programa que inspirou o Projeto de Lei 
Andrea Gondim, considera importante que o projeto tenha embasamento no programa “Liberdade no Ar”, mas concorda que a pauta precisa ter um diálogo com a representação da sociedade civil, que é, quem de fato vivencia essas violações na ponta. Ela conta que a iniciativa do programa quando foi implantado, começou tendo a comunicação como ferramenta e foram produzidos materiais lúdicos, em formatos de vídeos e impressos para instruir os viajantes e formar os trabalhadores do setor aéreo sobre as modalidades do tráfico e em especial para conscientizar sobre o trabalho análogo a escravidão.
A iniciativa do programa deu certo e os trabalhadores aeroviários e tripulantes passaram a participar de treinamentos junto a especialistas para contribuir na identificação de casos de tráficos ou contrabando de imigrantes. “Atualmente o programa “Liberdade no Ar” não se restringe apenas ao setor aéreo. No início trabalhávamos com duas frentes: no campo da comunicação, que contribui para a disseminação do conteúdo e com a formação dos trabalhadores. Com a pandemia da Covid-19 e a colaboração de parceiros, passamos a realizar a capacitação no formato EAD, que são os cursos virtuais”. Lembra Gondim, que complementa: “o programa expandiu para o setor rodoviário, principalmente em razão da migração venezuelana”. A Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude (Asbrad), foi uma das parcerias no campo de formação do projeto. Com a produção da Web série Tráfico de Pessoas no Brasil, que a Asbrad realiza, a temática sobre o tráfico de pessoas, junto ao programa, incentivou a participação de outros parceiros.

 

 

Andrea Gondim, procuradora do Ministério Público do Trabalho

“Essa pauta precisa ser pensada junto a sociedade civil, que na ponta é ela que acolhe as vítimas desse crime”
“O PL, muito embora ele seja inspirado no projeto de “Liberdade no ar”, que é um projeto capitaneado pelo Ministério Público, ele acaba sendo vinculado e obrigando o Ministério a realizar uma coisa que ele idealizou. Essa pauta precisa ser pensada junto a sociedade civil, que na ponta é ela que acolhe as vítimas desse crime”. Expressou Gondim.
A procuradora do Ministério Público do Trabalho afirmou que embora o projeto ainda esteja nada impede para solicitar uma escuta pública. Informou ainda que o MPT irá formalizar uma manifestação em referência ao texto substitutivo do relator para fazer sugestões ao referido projeto de lei.

 

 

Distanciamento da participação popular
O enfrentamento precisa ser mais eficaz, essa é uma opinião unânime da maioria dos representantes das organizações que desenvolvem trabalhos de enfrentamento. O sucateamento de conselhos e mecanismos de políticas públicas nos últimos anos no Brasil, aliado à polarização política, também afeta o enfrentamento. Da mesma forma, o número de crimes com ligação ao tráfico de pessoas tem aumentado. As igrejas, organizações da sociedade civil e movimentos, há anos participam dos espaços públicos de debates para que os projetos de lei sejam realizados, mas ultimamente o cenário tem sido outro; grupos de políticos sem base tem se apropriado da pauta e ignorado a participação popular.

 

“Infelizmente temos acompanhado o distanciamento da participação popular na construção destes projetos”

 

“Temos visto inúmeras denúncias sobre o trabalho escravo, elas também são fruto do trabalho de enfrentamento ao tráfico de pessoas que a igreja católica realiza há muitos anos. Infelizmente temos acompanhado o distanciamento da participação popular na construção destes projetos e a apropriação de políticos que ignoram a sociedade civil e utilizam do tema para outros fins”. Disse a Irmã Eurides Alves de Oliveira, religiosa que integra a comissão CEETH e coordenou em âmbito nacional a rede Um Grito Pela Vida, organização parceira do enfrentamento ao tráfico de pessoas.
A Comissão considera que o Projeto de Lei 397/23 é importante e incontestável para somar na ampliação de enfrentamento ao tráfico de pessoas, mas reforça que a participação da sociedade é algo inegociável. O projeto de lei precisa ser debatido no coletivo com a sociedade civil organizada que atua diariamente no combate ao crime. Para a comissão da CEETH, os projetos que tramitam na Câmara Federal devem ser alinhados de acordo com as prioridades do atual Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e colaborar no processo de elaboração do 4º plano que está em construção. Para a Irmã Eurides Alves o tema precisa ser discutido conforme as linhas prioritárias do plano nacional que corresponde ao trabalho de prevenção, assistência às vítimas, responsabilização dos culpados e na aplicação quando se trata de reinserção das vítimas do tráfico de pessoas.
“Entendemos que num estado democrático de direito toda política pública toda a legislação deve passar por um amplo debate envolvendo os atores que atuam na área. Nós da comissão reforçamos que o tema deve ser refletido conjuntamente”. Enfatiza a religiosa.

 

“Um Projeto de Lei, que não considera este caminho, corre o risco de fragilizar ainda mais a política”

 

É importante que todo processo de apresentação de um Projeto de Lei, venha baseado em experiências anteriores de ações efetivas, de superação a determinada violação. Um Projeto de Lei, que não considera este caminho, corre o risco de fragilizar ainda mais a política e não avançar em seu objetivo principal, o de ampliar os mecanismos para enfrentar o tráfico de pessoas. Frisou Alessandra Miranda, articuladora da CEETH.
O deputado federal Reimont (PT-RJ), é membro titular da Comissão de Segurança Pública e acompanha a pauta do Projeto de Lei 397/23. Ele informa que no momento o PL está aguardando o parecer do relator na Comissão de Viação e Transportes. Para ele, a pauta é de extrema importância, sobretudo para o cenário social do momento em que o número de empobrecidos é ainda maior depois da pandemia e do sucateamento da assistência social nos últimos seis anos.

 

 

Imagem: Câmara Federal