Para discutir os direitos da população em situação de rua durante e após a crise provocada pelo Covid-19, a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias fez, nesta semana, um encontro entre parlamentares e a sociedade civil. A reunião de trabalho foi um pedido da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua. Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), presidente da Frente, os moradores de rua passam por constantes violações de direitos. “Em uma crise sanitária, o impacto é ainda maior nessa população. O lema “fique em casa” não faz sentido no caso. Queremos que os despejos sejam impedidos nesse período, queremos políticas de moradia, trabalho, abrigamento e que saiam da invisibilidade”, afirmou.
Kokay faz um apelo para que o acesso ao auxílio emergencial seja facilitado a essas pessoas em situação de rua, porque muitas não possuem CPF.
O debate foi acompanhado pela oficial Nacional de Direitos Humanos do Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos, Angela Terto, e pela representante da Unaids (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids), Ariadne Ferreira.
A deputada Natália Bonavides (PT-RN), integrante da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Rua, e autora de um projeto de lei que impede despejos durante a pandemia alertou: “O prazo final para auxílio emergencial é muito grave e temos que ampliar”. Ela argumentou que uma manifestação tanto da ONU, como da sociedade civil podem dar força para pautar os projetos que beneficiam a população em situação de rua, principalmente para o pós-pandemia. “Aqui no Rio Grande do Norte, por exemplo, essas pessoas estão abrigadas em escolas. O que vai acontecer quando voltarem as aulas?”, indagou.
E o deputado Nilto Tatto (PT-SP) destacou que a “irresponsabilidade e a insanidade” por parte do presidente Jair Bolsonaro reforçaram os impactos agora, e também para depois da pandemia. “Já temos 10 milhões de pessoas a mais na fila dos desempregados por causa da pandemia. Precisamos priorizar a votação de projetos de lei voltados à população de rua para o pós-pandemia”, defendeu.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM), deputado Helder Salomão (PT-ES), participou do debate e enumerou os encaminhamentos. “Devemos entrar com um instrumento jurídico para sustar o decreto que determina a data de hoje como prazo para inscrição na prorrogação do Auxílio Emergencial. Também vamos pedir uma reunião com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), com a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Rua e com movimentos sociais para discutir projetos de lei que beneficiem moradores de rua. Vamos, ainda, realizar campanha através das redes sociais e elaborar uma nota conjunta sobre projetos de lei para a pauta do Congresso que envolve a população em situação de rua”.
O deputado Paulão (PT-AL), também da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da População em Situação de Rua, lembrou que “no momento que a gente atravessa é fundamental a articulação com organismos internacionais. Vivemos um momento de anormalidade. A retomada pós-pandemia será muita complexa e precisamos, por exemplo, criar Frentes Parlamentares nas Câmaras de Vereadores das capitais, criar capilaridade. Temos que contar também com a Defensoria Pública nos estados e que essa mobilização traga efeitos na construção da Lei do Orçamento para o ano que vem”, observou.
“Hoje, grupos de deputados que têm pautas que retiram direitos da população brasileira estão mobilizados. Pedimos o apoio da ONU e da sociedade civil para ampliar uma pressão positiva sobre o Congresso para que matérias que garantam os direitos de pessoas em situação de rua entrem logo na pauta do Congresso”, pediu o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) também participou do encontro que alertou para a situação das crianças e adolescentes em situação de rua.
A falta de números específicos e atualizados dificulta um retrato fiel da população em situação de rua brasileira. Uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e divulgada em 2016, que teve como base Censo do Sistema Único de Assistência Social em 1.924 cidades, estima que cerca de 102 mil pessoas vivem nas ruas do Brasil. O título do trabalho do Ipea é “Texto para Discussão – Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil”. De acordo com a Agência Senado, a primeira e única grande pesquisa sobre a população de rua foi realizada entre 2007 e 2008 pelo então Ministério da Cidadania. Porém, o levantamento não foi feito em todo o território nacional.
O público alvo foram pessoas com 18 anos completos ou mais e abrangeu 71 cidades, sendo 48 municípios com mais de 300 mil habitantes e 23 capitais. Foram detectados 31,9 mil adultos em situação de rua. Somando-se os resultados de pesquisas feitas à parte em São Paulo, Belo Horizonte e Recife, o número sobe para 44 mil.
Já um censo feito pela Prefeitura de São Paulo em 2019 mostra que a população em situação de rua na cidade subiu de 15.905, em 2015, para 24.344 em 2019. Um aumento de 53% no período. Mas Lenildo Monteiro, do Movimento Nacional de População em Situação de Rua, afirma que são 1 milhão de brasileiros vivendo na rua hoje.
“Vivemos uma situação de extermínio da população em situação de rua, com fome, com sede e agora a pandemia. Por causa da retirada de muitas políticas pelo governo estamos largados. Precisamos de políticas que tragam orçamento para nós também. No Auxílio Emergencial mais uma vez somos prejudicados. Não podemos acessar saúde, educação ou trabalho porque não temos endereço fixo. Precisamos de respostas para essa população que hoje é de quase um milhão de pessoas”, denuncia Lenildo Monteiro, do Movimento Nacional de População em Situação de Rua.
Renan Sotto Mayor, presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, alertou que o prazo para receber o Auxílio Emergencial por mais 2 meses termina nessa semana. “Isso é uma restrição grave para quem vive nas ruas, quem mora na rua não vai conseguir fazer isso, peço a mobilização do Congresso para tentar mudar esse prazo”. Ele informa também que o CNDH oficiou a prefeitura do Rio de Janeiro para suspender a internação compulsória de moradores de rua.
Eduardo Matos, também do Movimento Nacional de População em Situação de Rua (GO), destaca que “nosso recurso mais básico era a rua e hoje, com a pandemia, nem isso temos mais. O acesso ao Auxílio Emergencial é urgente, mas não temos como confeccionar documentos principalmente por causa da migração da população de rua”. Matos ressalta que a principal luta é pela moradia. “Aqui em Goiás já tínhamos um projeto de lei municipal prevendo moradia, mas agora mais nada”.
A defensora pública Rosana Monteiro, que integra a Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), informa que foi reativada uma comissão para tratar do tema com representantes de todas as regiões do país. “Em Cuiabá, por exemplo, conseguimos o aluguel de um hotel com capacidade para 120 pessoas em situação de rua. Porém, temos muita dificuldade para emissão de RG e certidão de nascimento e isso dificulta o acesso ao Auxílio Emergencial. Também em Cuiabá a prefeitura decretou toque de recolher, mas a população em situação de rua não tinha para onde ir e sofreu violência, até que fossem retirados do decreto”.
Darcy Costa, do Movimento Nacional de População em Situação de Rua (SP), pede que o IBGE inclua nos próximos Censos a população de rua. “Sofremos violência institucional, física e mental há anos. Nossos direitos à terra e moradia são violados. E cresce uma corrente fascista. Aqui em São Paulo nunca a polícia matou tanto jovens negros. Há um descompromisso total pela vida da população de rua em nosso país”.
“Aqui em Porto Alegre os serviços de atendimento à população em situação de rua foram entregues a organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) ligadas a igrejas e que trazem de volta a política do internamento manicomial. A mesma prefeitura que viola direitos contrata esses serviços. Existem determinações judiciais que incidem nessas questões, mas os gestores municipais ignoram”, explica Veridiana Machado, apoiadora do Movimento Nacional de População em Situação de Rua (RS).
Urânia Flores, do Fórum da Rua de Brasília denuncia que “aqui em Brasília, 200 pessoas derrubaram 30 barracos usando tratores em plena pandemia. E isso que aqui no Distrito Federal tem uma decisão judicial impedindo despejos. Também temos registro de internações voluntárias. Então, o maior violador é o Estado. Na educação, saúde, moradia e segurança”.
Kelseny Medeiros, da Clínica de Direitos Humanos Luiz Gama, alerta para a subnotificação de casos de contaminação e morte pelo Covid-19 em São Paulo. “A prefeitura informou que até agora foram 25 óbitos na população em situação de rua e outros 17 casos sem confirmação, além de 627 contaminados. Temos quase 25 mil pessoas vivendo na rua, um número que também questionamos. E o mais grave é que essas pessoas não são incluídas nos cadastros porque esse tipo de notificação, de pessoas em situação de rua de rua, não existe. E tem uma leva de pessoas chegando nas ruas por causa do desemprego e despejos. O próprio Tribunal de Justiça respondeu, formalmente, que não pode intervir em despejos”.
Assessoria da CDHM
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