"Contribuir com o fortalecimento das Organizações Sociais na perspectiva da defesa dos direitos e da transformação social, construindo parcerias e dando visibilidade a práticas sociais inovadoras".

O que o Investimento Social faz pela Saúde Pública

Apoio financeiro do setor privado é fundamental por estimular a chegada de novos investimentos e permitir celeridade de execução que muitas vezes a burocracia do recurso governamental não possibilita

 

*Por Luis Fernando Donadio

 

O título deste artigo parte da pergunta do estudo lançado no mês de junho pelo Grupo de Fundações e Institutos Empresariais (GIFE): “O que o Investimento Social Privado pode fazer pela Saúde Pública?”. Aqui, nesta breve reflexão, partiremos da afirmação do que já se tem feito e de alguns caminhos do que ainda podemos fazer.

Comecemos contextualizando a complexidade e o desafio da operação do maior Sistema Público de Saúde do mundo.  A criação do Sistema Único de Saúde (SUS) foi um processo de mobilização, luta e conquista de diversos setores da sociedade, que culminou na Constituição Federal de 1988 instituindo a saúde como um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado.  partir daí, o SUS cresceu e se fortaleceu diante do desafio de atender um país com dimensões continentais. 6.000 hospitais credenciados, 44.000 Unidades Básicas de Saúde, 54.000 equipes de Saúde da Família, 12 milhões anuais de internações e 4 bilhões de atendimentos ambulatórias, são alguns dos números que dão a dimensão de um sistema que atende 7 a cada 10 brasileiros.

Para rodar, com a qualidade necessária, uma estrutura com essas dimensões é preciso de muito investimento. Mesmo contando com um dos maiores recursos da União, sabe-se que a saúde pública não possui todo o financiamento necessário para atender suas demandas. É o que os especialistas chamam de subfinanciamento do SUS.

E o Investimento Social Privado (ISP) nisso tudo? Primeiro, conceituemos o ISP como todos os recursos financeiros e não financeiros, diretos ou com incentivo fiscal, que a iniciativa privada e/ou suas fundações aportam em diferentes tipos de projetos com alcance social. Dados do GIFE apontam que em 2023 o ISP no Brasil foi de R$ 5,3 bilhões. Desse montante, aproximadamente R$ 1,1 bilhão foi destinado especificamente para ações de saúde pública. Se considerarmos que o orçamento do Ministério da Saúde (MS) no mesmo ano foi de R$ 162,9 bilhões, o ISP representou pouco menos de 1%.

À primeira vista imagina-se que o apoio privado não faça grande diferença, mas vejamos como se configura a realidade orçamentária da capacidade de investimento do MS: dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI), também de 2023, mostram que do orçamento destinado a saúde, 77% são vinculados a despesas obrigatórias, ou seja, recursos já comprometidos com a manutenção dos programas existentes, como pagamentos de folha salarial, compra de insumos e tudo o mais que permite manter a roda girando. Para despesas discricionárias, no qual se encaixam os investimentos em inovação, implementação de novas tecnologias, respostas as emergências de saúde pública são apenas 15%. A diferença restante é oriunda das emendas parlamentares.

O que os números nos dizem é que a capacidade do SUS para novos investimentos é extremamente limitada diante dos inúmeros desafios que possui.  E é aí que o ISP pode trazer uma importante contribuição.

Falar de ISP na saúde traz uma primeira expectativa do apoio financeiro, mas importante incluir nessa agenda as significativas contribuições que o setor privado pode dar a partir de suas experiências de trabalho em rede, inovação aberta, compartilhamento de tecnologias, codesenvolvimento de soluções, experiências de gestão eficiente dos gastos,  incubação e aceleração de projetos, consultorias  estratégicas, entre outras possibilidades, que se bem articuladas, podem ser muito profícuas para a saúde pública brasileira.

Naturalmente que o recurso financeiro também é fundamental, tanto por funcionar como uma espécie de investimento anjo, estimulando inclusive a chegada de novos recursos públicos, como também por permitir uma celeridade de execução que muitas vezes a burocracia do recurso governamental não possibilita.  Compartilho a seguir dois exemplos exitosos, frutos deste arranjo.

O projeto da Plataforma de mRNA, tecnologia considerada fronteira do conhecimento na produção de vacinas, que vem sendo desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz. Hoje, no mundo, apenas duas indústrias tem o controle desta forma de produção, o que faz com que o domínio tecnológico desta plataforma dê ao Brasil a capacidade para responder à novas emergências em saúde com mais celeridade e autonomia, além do poder de escolha para desenvolver potenciais novas vacinas estratégicas aos país. Esse projeto vem sendo desenvolvido com recursos públicos, que somado aos apoios do ISP tem possibilitado a realização de todas as etapas de desenvolvimento sem nenhum percalço financeiro.

O segundo exemplo é o Sistema de Alerta Precoce de Pandemias (AESOP), uma plataforma digital que monitorará os 5.570 municípios do país, identificando com até 45 dias de antecedência o início de um surto com potencial pandêmico e seu provável caminho de espalhamento para municípios vizinhos. O AESOP também tem se viabilizado graças ao arranjo da parceria público-privada.

É notório que últimos anos há uma importante evolução da atuação estratégica do ISP na saúde pública.  Se num primeiro momento o foco era voltado as ações assistenciais, hoje, empresas e fundações olham para iniciativas estruturantes e alinhadas a políticas púbicas, seja no campo da saúde mental, dos impactos climáticos na saúde, nos desafios do envelhecimento da população, na queda das coberturas vacinais, entre outros temas prioritários SUS.

Se até pouco tempo atrás haviam poucos espaços de diálogo entre saúde pública e apoio da iniciativa privada, pós pandemia, esse cenário mudou. Saúde passou a integrar o “S” do ESG de muitas instituições; projetos de lei propondo renuncias fiscais para doações começaram a tramitar; fóruns com a presença de executivos e gestores públicos cresceram, entre outros movimentos que fortalecem as potencialidades deste modelo governança colaborativa. Naturalmente, ainda há uma longa estrada em que se avançar, mas muita coisa relevante já tem sido feita.

O SUS é uma das principais conquistas sociais do nosso país. Somos a única nação com mais de 100 milhões de habitantes que assumiu o compromisso de oferecer um Sistema de Saúde gratuito como um direito de todos, desde a gestação e por toda a vida. Sua manutenção e fortalecimento é uma responsabilidade do Estado Brasileiro, mas o ISP pode trazer importantes contribuições. Unir capacidades qualifica nossa capacidade de resposta aos diferentes desafios da saúde no país, e considerando que a trilha que se tem pela frente é longa e sinuosa, melhor caminhar acompanhado.

Sigamos!

 

 

* Luis Fernando Donadio é Coordenador Geral de Captação da Fundação Oswaldo Cruz, Diretor na Sociedade de Promoção da Casa de Oswaldo Cruz e assessor do CAIS.

*O texto foi publicado originalmente no Valor Econômico.

*Imagem: Cláudia Pereira| CAIS