"Contribuir com o fortalecimento das Organizações Sociais na perspectiva da defesa dos direitos e da transformação social, construindo parcerias e dando visibilidade a práticas sociais inovadoras".

O Bem Viver e o Direito à cidade na Amazônia

Articulação de Manaus realiza encontro presencial para analisar violações de direitos

 

Por Cláudia Pereira | Comunicação do CAIS

No mês de julho de 2020, ano crítico da pandemia da Covid-19, a cidade de Manaus (AM) ainda vivia as consequências do colapso na saúde pública e, apesar das incertezas, a esperança dos povos era continuar firmes na caminhada. Comunidades, coletivos e territórios reanimavam a luta com a semente plantada desde o Sínodo da Amazônia. Entre os anos de 2020 e 2023 a Articulação Bem Viver e o Direito à cidade na Amazônia, animada pelo Centro de Assessoria a Iniciativas Sociais (CAIS), junto a Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e Misereor, avançaram na mobilização para a defesa dos direitos dos povos da cidade e da floresta.

Após vários encontros em formatos online e híbridos, a Articulação realizou 11 rodas de diálogos e entre os dias 08 e 10 de setembro deste ano, realizaram o primeiro encontro presencial na cidade Manauara. Reunidos na sede da Cáritas Arquidiocesana de Manaus, aproximadamente 28 representações de movimentos, coletivos, territórios da cidade e 07 lideranças de outros estados, a Articulação Bem Viver e Direito à cidade na Amazônia, refletiram a temática “Violação dos direitos humanos ao saneamento: danos irreparáveis à vida e ao meio ambiente”. O encontro contou com a participação do procurador Fernando Merloto, representando o Ministério Público Federal (AM) e do professor e padre Sandoval Rocha, que contribuíram para as reflexões do encontro.

A programação para os três dias de encontro presencial, permitiu fazer uma retrospectiva da caminhada da Articulação, reflexões pontuais, debates, trabalhos em grupos, visita à comunidade Coliseu. As crianças do grupo Porantim acolheram o encontro com cantigas na língua da nação indígena Sateré-Mawé e os participantes apresentaram símbolos que representam a luta e caminhada da Articulação. No primeiro dia, foram analisados os encaminhamentos das diversas pautas e as estratégias de enfrentamento aos desmontes dos programas sociais, dos conselhos e a ausência das políticas públicas durante o governo de Bolsonaro.

Apresentação dos símbolos da caminhada _ Fotos| FARU

“As lutas na defesa do bem viver e o direito à cidade na Amazônia deve ser conjunta”

Kohara, assessor metodológico para a temática urbana do CAIS, destaca que o encontro presencial foi fundamental e possibilitou trocas de experiências, aprendizados e viabilizou identificar melhor os desafios locais, os problemas estruturais que existem. “O encontro permitiu identificar os desafios comuns, complementada com a realidade concreta vivenciada pela Comunidade Coliseu, na periferia de Manaus, onde mais de 15 mil famílias vivem em condições precárias decorrentes da falta de saneamento básico, de escolas, de creche, de posto de saúde, de transporte público e a insegurança na posse. A presença de agentes de lutas populares de outros estados, revelou que os problemas estruturais são os mesmos decorrentes da falta de investimentos públicos e avanços do grande capital pela apropriação dos territórios tradicionais. Assim, as lutas na defesa do bem viver e o direito à cidade na Amazônia deve ser conjunta”. Analisou Kohara que reforça a importância da participação popular nos espaços institucionais para pressionar as políticas públicas para moradia no atual governo federal.

Ao longo dos três anos, as rodas de diálogos fortaleceram o compromisso da Articulação e permitiu maior diálogo entre as organizações. Essa presença possibilitou para os movimentos, coletivos, territórios e comunidades, refletir sobre direitos humanos, à cidade, direitos aos territórios, as crianças, jovens e adolescentes. Foram momentos para pensar nos direitos dos povos originários e comunidades tradicionais. Partindo da temática do acesso a direitos básicos, os encontros virtuais debateram sobre a segurança alimentar e a preservação ambiental. As reflexões encaminharam vários momentos de incidência política e as ações surtiram efeitos. A dinâmica da Articulação possibilitou mais conhecimentos, aprofundou a realidade com dados, leitura política e experiências concretas na defesa dos direitos humanos.

Participantes no momento de reflexões das temáticas – Fotos| FARU

Reflexões sobre a temática do encontro presencial

O enfrentamento à violência foi um dos pontos que ganhou relevância no processo de construção da Articulação. As análises e estratégias no enfrentamento ao crime organizado, foi importante, sobretudo por afetar a vida da juventude e das mulheres. “A pauta da segurança que envolve a violência na região norte do país tem um papel relevante, por isso é muito importante a estratégia da educação popular para o enfrentamento”, ressaltou Ana Celina Hamoy do CEDECA – Movimento de Emaús de Belém (PA).

Para o procurador Fernando Merloto, a construção desse processo é importante para solucionar conflitos e especialmente para reconhecer que os povos pertencem a cidade e seus territórios. Ele destaca que o processo organizativo das comunidades estimulou a luta para garantir e exigir políticas públicas de qualidade e respeito a suas origens, cultura e a preservação do meio ambiente. “criar soluções em conjunto, criar políticas que garantam geração de renda e sustentabilidade ambiental, cultura e reconhecimento de espaço, são caminhos que colaboram da defesa do meio ambiente na Amazônia”. Disse o Procurador da República, que enfatizou a importância de as pessoas conhecerem os direitos básicos e a importância da segurança pública e qual o papel do Estado para garantir a vida das pessoas nas comunidades. 

“Quando a gente fala de saneamento, a gente fala de vida, porque a água é vida” 

“Quando a gente fala de saneamento, a gente fala de vida, porque a água é vida”, disse o padre Sandoval Rocha ao debater a temática sobre o direito à água. Padre Sandoval explanou sobre a violação do direito à água na cidade de Manaus. O município privatizou os serviços de abastecimento e saneamento nos anos 2000. Vale lembrar que no ano em que começou a Articulação (julho 2020) o Instituto Trata Brasil publicou uma pesquisa que constatou que na época  27% da população da cidade de Manaus, não tinha acesso à água e somente 12,5% do esgoto era coletado. Esta realidade não mudou em 2023, a cidade é considerada uma das piores do país no tratamento de água e esgoto.

“Estamos diante de uma sociedade que valoriza mais a lógica do mercado, a lógica da compra e venda, da produção e do lucro. Em Manaus temos muita gente abaixo da linha da pobreza que precisa da garantia do acesso à água, então a população tem o poder de influenciar para que a gestão dos serviços de saneamento e distribuição da água seja feita de forma democrática”. Afirmou o padre Sandoval. O histórico da administração dos serviços privatizados do abastecimento de água e esgoto da cidade de Manaus é conturbado e já foram realizadas três CPIs, das quais existem evidências de forte influência de figuras políticas da cidade, mas até o momento os processos encaminhados são lentos.

Sobre a pauta da moradia para os mais pobres da cidade Manaus e região Amazônica, diante ao cenário atual da política social brasileira, Kohara diz que é preciso uma maior participação e pressão popular.  Participação dos espaços institucionais e sobretudo a pressão social permanente para efetivação das políticas públicas que incluam direitos sociais, direito à moradia e a garantia dos territórios. “Há entendimento comum que o atual governo federal, dirigido pelo presidente Lula, tem compromisso com a justiça social, no entanto, é um governo de coalizão com setores conservadores”. Comentou Luiz Kohara.

Entre os encaminhamentos do encontro, a Articulação Bem Viver e Direito à Cidade na Amazônia, destacou como pautas prioritárias a segurança pública das comunidades, prática da educação popular, o direito do bem comum da natureza e estratégias de mediação de conflitos. Processos importantes e significativos para a caminhada.

Foto: Alberto César Araújo/ Amazônia Real/2019