“Todos os limites do razoável foram cruzados. As instituições brasileiras precisam começar a responder aos anseios da maioria da população. E a maioria da população quer sair dessa guerra biológica com os seus entes queridos vivos. A prioridade de qualquer plataforma política no Brasil é derrotar o vírus e aqueles que ajudam o vírus a ganhar a guerra. Nesse momento o vírus está ganhando a guerra. Ou a gente encara essa guerra de verdade ou a gente corre o risco de ser dizimado enquanto nação. A segunda hipótese é inaceitável para mim. O Brasil precisa de uma frente de salvação nacional”.
Palavras de Miguel Nicolelis ao TUTAMÉIA. Nesta entrevista, onde apresenta uma ampla avaliação da pandemia no Brasil e no mundo, ele faz um chamamento, para que os brasileiros saiam da anomia e do marasmo. “É preciso dar um basta. Está na hora do basta. Basta de ver as pessoas morrerem que não deveriam morrer. Basta de ver o nome do Brasil ser destruído fora do Brasil. Basta aos absurdos da negação da ciência, das boas práticas de saúde pública, da destruição de direitos dos brasileiros. Está na hora do basta geral no Brasil”
Um dos mais renomados cientistas do mundo, Nicolelis é coordenador do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Nordeste. Neurocientista premiado, ele está lançando “O Verdadeiro Criador de Tudo, como o Cérebro Humano Esculpiu o Universo como Nós o Conhecemos” (Crítica). Na nossa conversa, ele fala do livro, que condensa suas ideias, discorre sobre o cérebro humano, avalia os impactos da tecnologia, disseca a evolução da Covid e condena a ação de governantes no enfrentamento do vírus.
“Não temos comando, não temos mensagem e não temos horizonte. Estamos voando às cegas”, afirma. Mostrando dados, ele segue: “A pandemia não está controlada. Não estamos no pico da coisa, estamos um patamar instável. Mais instável porque todas as aberturas feitas no Brasil foram impróprias. O que foi feito em São Paulo não faz sentido nenhum”.
Na sua avaliação científica, a volta às aulas é um enorme erro. “Discutir isso é insano. Não vejo nenhuma base científica que permita que isso ocorra. Mas, no Brasil, tem muita coisa insana acontecendo”.
O número de mortos no Brasil deve superar o da soma das vítimas das bombas nucleares de Hiroshima e Nagazaki. “É a maior perda humana da história do Brasil, se você tirar o genocídio indígena dos séculos 16 e 17 e a escravidão. Maior do que a guerra do Paraguai, que durou seis anos e matou 65 mil”, lembra. Nicolelis cita projeções da Universidade de Washington, em Seatle (EUA), que prevê 188 mil mortos no Brasil em 1° de novembro. “Se essa marca for alcançada, em 31 de dezembro, teremos 200 mil mortos”.
Nicolelis discorre sobre os erros crassos, até intencionais, que foram cometidos no Brasil. “Não houve um controle nacional, não houve mensagem clara, transparente, correta. O Brasil nunca fez um lockdown nacional como os europeus fizeram. O isolamento social brasileiro nunca foi coordenado; cada um fez do seu jeito e, no tapa, foi se abrindo. Faltou testagem maciça. O isolamento não pode ser feito sem trancamento rodoviário. O país é rodoviário; é por ai que o vírus viaja”.
E acrescenta: “Não temos uma política centralizada, um estado maior de combate ao coronavírus que todo o país fez e que nós não temos. É até irônico. Temos um ministro interino que é general do Exército, mas nós não temos Estado Maior de combate ao coronavírus”.
O neurocientista chama atenção para duas vertentes silenciosas da pandemia no Brasil. Primeiro, “o verdadeiro genocídio indígena que está se espalhando pelo Brasil inteiro, com mais de 500 mortes. A taxa de infecção entre os indígenas é 150% maior do que a média nacional, o que é assustador”. Segundo, as morres das gestantes. “O Brasil tem 77% dos óbitos de gestantes com covid no mundo; 12,7% de letalidade, a maior do mundo disparado. É chocante”. Estão no Brasil 8 em cada 10 mortes de gestantes e mães amamentando depois de 42 dias do parto.
Descrevendo a devastação que a doença provoca no Brasil, Nicolelis declara: “É chocante ver a falta de manifestações mais generosas e globais. São 100 mil óbitos! Nós não manifestamos de maneira adequada. As perdas poderiam ser muito menores se tivéssemos feito um mínimo em termos nacionais. O Brasil é um país dividido. Mesmo do lado progressista não existe sincronia de qual projeto de nação seja necessário. Já passou da hora”.
Na sua visão, a pandemia mostra que “o hedonismo parece ser mais importante do que a sobrevivência. No Brasil, preferem fazer festa, ir para a praia e param de pensar nas consequências para si mesmo, para os familiares, para o sistema de saúde. O hedonismo tomou conta de um grande número de mentes humanas e suplantou qualquer instinto de sobrevivência”.
CAIS | Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais