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Mulheres em defesa da vida: do artesanato às máscaras de proteção

Em São Gabriel da Cachoeira (AM), indígenas trocam a confecção de artesanato pela produção de máscaras para distribuição entre os povos do Alto Rio Negro

Por Luana Lila

Mulheres produzem máscaras para evitar a propagação da Covid-19 entre os povos indígenas da região do Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Foto: Christian Braga / Greenpeace

Desde que a Covid-19 chegou a São Gabriel da Cachoeira (AM), na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, muitas lideranças indígenas estão trabalhando na linha de frente para impedir que a situação se agrave trazendo consequências devastadoras para os 23 povos indígenas da região.

Entre as pessoas que deixaram o cotidiano de lado para ajudar a salvar vidas, Elizângela da Silva, do povo Baré, e Janete Alves, do povo Desana – ambas coordenadoras do Departamento de Mulheres da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) – lideram uma iniciativa na qual mulheres que antes se dedicavam à produção de artesanato, como bolsas, brincos, colares e objetos de decoração, passaram a produzir o mais novo artigo de uso essencial durante a pandemia: máscaras de proteção.

“A gente viu na televisão que todo mundo usava máscara para prevenir [da doença] e aqui estávamos preocupadas em como combater para não pegar esse vírus”, conta Janete. “Fizemos uma campanha que começou para arrecadar kits de higiene e com o passar dos dias foi evoluindo”, explica ela.

Para dar início à produção, primeiro elas identificaram as artesãs que já sabiam costurar e as convidaram para o projeto. Depois, usaram como modelo máscaras de tecido que tinham recebido das mulheres do povo indígena Sateré-Mawé. Mas ainda faltava conseguir recursos para comprar máquinas de costura e material, além de uma ajuda de custo para as costureiras – cada uma recebe R$ 600 mensais e um kit de higiene.

Mais tarde, com a ajuda de um sobrinho, encontraram na internet tutoriais de diversos tipos de máscaras para usar, sempre seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Até hoje, aproximadamente 16 mil máscaras já foram produzidas e entregues para todos os territórios indígenas da região.

Os recursos foram arrecadados a partir de doações da campanha “Rio Negro, Nós Cuidamos”, coordenada por Elizângela e Janete, com assessoria do Instituto Socioambiental (ISA). As máquinas de costura chegaram pelo projeto Asas da Emergência, do Greenpeace, que está transportando itens de ajuda emergencial para diversas regiões da Amazônia.

Na casa de Elizângela, na periferia da cidade, as máquinas de costura estão dividindo espaço com o artesanato que antes elas produziam. Um porta álcool em gel de palha pendurado na parede está entre os itens que marcam o “novo normal” em tempos de pandemia.

Maria Martins, do povo Baniwa, de 72 anos, foi uma das artesãs chamadas para trabalhar na confecção. Tia de Elizângela, ela conta que, apesar de nunca ter imaginado precisar usar máscaras, ficou contente por participar. Outro ponto que a encheu de orgulho foi ver a iniciativa de solidariedade das jovens mulheres.

Conhecimento e sabedoria a serviço da vida
 

A satisfação de poder ajudar emociona Elizângela e Janete. Porém, o medo com o contágio persiste. Ambas têm três filhos cada uma e, por estarem na linha de frente, convivem com a preocupação de levar o vírus para casa. No momento, tanto elas como suas famílias já foram infectadas, mas felizmente todos se recuperaram tomando os chás preparados com ervas medicinais. Elas dizem que os “remédios caseiros” têm sido essenciais para vencer a doença.

“Minha maior preocupação é perder os nossos parentes, não somente da minha região, mas de todo o Rio Negro”, afirma Janete, cuja filha mais nova tem 10 meses. “A gente perdeu várias lideranças e eles são nossos livros, eles contam história e essa história é um benzimento”, diz ela.

A apreensão de Janete reflete um incidente que ela viveu. Durante a entrega de cestas básicas para uma família, ela se deparou com o velório de um indígena conhecido que tinha sido levado para tratamento na capital. “Ele faleceu em Manaus, cremaram e conseguiram trazer ele de volta, mas não como ele foi. A gente pensou que estavam velando um corpo, mas era uma caixinha… A gente ficou muito sentido. Nosso parente foi assim e voltou numa caixinha. Isso para nós não é real”, lamenta ela.

Mesmo com todas as adversidades, elas continuam seu trabalho com coragem e confiança. “Somos muito batalhadoras e guerreiras. Apesar de tudo o que está acontecendo, estamos lutando para salvar vidas. Não vamos desistir”, diz Elizângela.

Janete concorda: “a esperança que a gente tem é de usar nosso conhecimento e sabedoria, valorizar nossa cultura […] Perder nossos parentes dói e não se despedir deles é ainda pior. A gente está lutando para não acontecer mais”, afirma ela, secando as lágrimas.

Publicado em greenpeace.org/Brasil