"Contribuir com o fortalecimento das Organizações Sociais na perspectiva da defesa dos direitos e da transformação social, construindo parcerias e dando visibilidade a práticas sociais inovadoras".

Juventude do campo e da Cidade: diálogos sobre os desafios e protagonismos

Regiões diferentes, mas realidade praticamente iguais no contexto de direitos à cidade e à terra

 

 

 

Por Cláudia Pereira | Comunicação do CAIS

 

Jovens do campo e da cidade participaram do segundo encontro sobre a temática de direitos. Em formato virtual, o encontro foi realizado (13/09) com a participação de jovens das regiões norte e nordeste do Brasil, que partilharam as realidades e enfrentamentos em seus espaços de vida e luta. A roda de diálogo reuniu as instituições parceiras de Miserior que atuam com adolescentes e juventudes, entre elas o Grupo Arte Revelação da cidade de Manaus (AM) e o Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (CENDHEC) da cidade de Recife (PE). Também esteve presente os jovens da Alternativa para a Pequena Agricultura, representando a juventude do campo da região do Bico do Papagaio do estado de Tocantins. O encontro contou a contribuição do Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais (CAIS), que reuniu jovens de outras regiões do país para participar do momento de partilha.
A arte que salva vidas
Ao som do berimbau e música de capoeira, a juventude de Manaus (AM) se apresentou e falaram de suas alegrias, dores, medos, desafios e o enfrentamento diário da violência urbana. Os jovens vivenciam todos estes desafios sem perder a alegria e a esperança. Erika Barros apresentou um vídeo para sintetizar a importância do grupo de capoeira do Arte Revelação na comunidade e na sua vida e de muitos jovens e adolescentes que participam das atividades do grupo. “A capoeira me salvou de muitas coisas ruins e abriu meus olhos para um mundo que eu desconhecia”. Disse Érica, ao explicar que a violência do tráfico é muito forte e defender a vida é um dos maiores enfrentamentos. Um de seus sonhos é cursar uma faculdade para fortalecer a trajetória de sua vida e contribuir mais na comunidade onde vive.

 

“A capoeira não é só aprender a Ginga, aqui aprendemos a ser pessoas melhores, sujeitos pensantes capazes de construir críticas e motivar ações”. Afirmou Érica ao encerrar sua apresentação”

 

A realidade de meninas e meninos dos bairros periféricos da cidade de Manaus é de constantes desafios, o acesso à educação e espaços é a grande motivação e resistência. Leandro Souza sabe que a realidade é triste e similar a vida de outros jovens pelo Brasil, mas ele acredita que o poder da escuta é a saída para os jovens periféricos. Ele diz que o espaço Arte e Revelação é mais um local para aproximar os jovens dos pais, da educação e da arte. Leandro e Ney Valente afirmam que encontraram na capoeira a forma para ajudar as famílias que vivem em situações de vulnerabilidade e próximas a diversas formas de violência. Pelos relatos dos participantes é possível perceber que o espaço tem contribuído inclusive para saúde emocional de todos que frequentam o espaço.
Os jovens moram em um dos bairros de Manaus que não tem saneamento, moradia adequada e o índice de violência é considerado alto. O mestre de capoeira Ney, afirma que a diversidade faz a diferença no grupo e por essa razão a capoeira proporciona o protagonismo para os jovens. A capoeira do grupo Arte Revelação possui um tripé que determina os caminhos dos jovens que é formado por: capoeira, a escola e a casa. Eixos fundamentais do grupo. Nós transformamos essas crianças em protagonistas de suas histórias e percebemos isso a cada visita que fazemos às famílias. Somos apenas uma sementinha tentando fazer a diferença nesse mundo”.  Disse Ney.

 

“O Arte Revelação não quer transformar esses jovens somente em mestres de capoeira, nós queremos formar estas crianças em cidadãos com opiniões próprias sem ser manipulados por outras pessoas ou sistema”. (Leandro Souza).
 

 

Organização dos jovens do Bico do Papagaio (TO)
 
As jovens Elizete da Costa e Camilla Holanda se apresentaram em nome do Grupo de Trabalho da APA-TO, que também é acompanhado por Selma Yuki que integra a coordenação. Os jovens do Bico do Papagaio lutam pela permanência em seus territórios que estão situados em áreas de Cerrado e a Floresta Amazônica. A jovem Elizete é quebradeira de coco babaçu, defende que a identidade com o seu território é muito importante e por isso os jovens do campo precisam fortalecer a mobilização. Diante a uma realidade e um questionamento em permanecer em seus territórios, Camila apresentou um vídeo que demonstra o resultado de uma pesquisa que levantou um diagnóstico sobre a identidade e a pequena agricultura dos jovens camponeses. O resultado da pesquisa virou uma ferramenta de luta em forma de cartilha que tem contribuído para a organização dos jovens como perspectiva de futuro em seus territórios.
Camila conta que o Grupo de Trabalho criado no ano de 2018, surgiu do questionamento: o que vamos fazer para defender nosso território, para termos voz e sermos protagonistas? Com a busca de direitos, os jovens camponeses rearticularam as lutas, mapearam as atividades, se organizaram e no momento as demandas é por políticas públicas, garantias de direitos e preservação de seus territórios.

 

“Percebemos que a Juventude do Bico do Papagaio precisava se organizar, precisava de voz ativa e desse protagonismo e para isso o primeiro passo foi a organização. Hoje temos uma caminhada e reconhecimento, mas ainda tem muito pra lutar.  APA-TO, é o nosso apoio para realizar essa caminhada, é essencial para ajudar no processo de organização social, política de produção e com isso o nosso GT tem ajudado os coletivos das comunidades”.

 

 
Formação e informação para obter protagonismo
A jovem Elizete da Costa conta que a organização dos jovens foi importante em razão de encontrarem seus próprios espaços e exemplifica a sua realidade, que hoje integra o movimento de mulheres quebradeiras de coco babaçu, o MIQCB. A identificação com seus espaços garante a relação dos jovens camponeses com seus territórios. “Esses espaços são importantes porque sabemos dos desafios que temos com o êxodo rural, a monocultura e acredito que estes problemas sejam os mesmo de muitos jovens pelo país. Por isso é importante falarmos de juventude para juventude”.  Frisou Elizete.
“É muito importante fortalecer essa autonomia da juventude, isso que APA-TO tem feito é no sentido de fortalecer a identidade desses jovens camponeses. Eles já sofrem um grande preconceito em vários setores da sociedade e fortalecer a história de caminhada da juventude rural é construir lutas por direitos. Colaborar com a inserção desta juventude em outros movimentos e organizações sociais, que é onde de fato se faz a luta”. Partilhou Selma Yuki.
Em seguida, a juventude de Recife (PE) partilhou das experiências que contribuíram com formações políticas nas comunidades periféricas da zona sul da cidade. Lorena Melo, que integra as ações da juventude junto a Ação Social CENDHEC atua como assistente social, diz que a iniciativa tem como objetivo trabalhar a consciência da juventude e adolescentes dos espaços e direitos do qual eles precisam ser protagonistas. Desde 2018 as ações de formação têm contribuído para esclarecer aos jovens do espaço de diálogo para cobrar os direitos à cidade, uma vez que o executivo municipal está ausente das pautas de moradia para o povo periférico. Recife é a 16ª cidade mais afetada pelas mudanças climáticas no Brasil. Mirian Lima, uma das jovens que integra o grupo, partilhou das experiências de partilhar esse processo de formação nas escolas. Em formato de oficina os jovens debatem a temática sobre Mudanças Climáticas e o Racismo Ambiental. Os encontros são estruturados e aplicados nas escolas estaduais de ensino fundamental em bairros que sofrem com as fortes chuvas. “Nós temos os poderes nas mãos para fazer as transformações e sabemos que o racismo ambiental tem lugares definidos. As tragédias das chuvas acontecem exatamente nos bairros pobres onde não temos os direitos básicos, a começar pelo saneamento”. Disse Mirian Lima ao falar dos momentos de capacitação dos jovens em Recife.
“A nossa voz é forte, ela pode ecoar e chegar muito longe” (Mirian Lima)

 

A proposta é criar um pensamento crítico nos jovens e adolescentes com a temática ambiental, porque a realidade das enchentes na vida das juventudes é recorrente. Com a compressão política é possível fazer cobranças dos direitos básicos. As violações de direitos nas comunidades periféricas são diversas, mas as condições de moradia são atreladas às realidades climáticas que o mundo enfrenta. A geografia da cidade de Recife proporciona a discussão da temática e a juventude é a que mais sofre essas violências. Cristinalva Lemos, que também integra o grupo, reforça que a experiência abriu caminhos de conhecimentos e ações para avançar nas políticas públicas.
Para o secretário executivo do CAIS, Paulo Maldos, o encontro de partilhas dos jovens das duas regiões foi marcante por expor as realidades do campo e da cidade de maneira profunda, ao ponto de sentir as situações extremas de vulnerabilidade de cada território, a exemplo dos jovens de Manaus. As pautas referentes às políticas públicas refletem o governo atual, do qual os jovens demonstraram distanciamento, apesar de ser um governo mais progressista. “Frente às três experiências colocadas todas têm em comum essa exclusão radical, mas as experiências se destacam porque os jovens são protagonistas e provocam mudanças para promover direitos, sobretudo direitos à vida digna”. Partilhou o secretário Paulo Maldos.
As realidades dos jovens das duas regiões partilhadas no encontro traçaram um perfil da temática socioambiental que o país enfrenta. A juventude rural do Bico do Papagaio, enfrenta entre os desafios, a luta pelo direito de acesso à terra, os jovens de Manaus além da violência, lutam pelo direito à educação e moradia, os jovens de Recife lutam pelo direito à cidade. Todos buscando protagonismo e enfrentando a especulação imobiliária, o latifúndio e o agronegócio. Luiz Kohara, que mediou o encontro e atua como assessor metodológico para a temática urbana, diz que a partilha do encontro foi forte e mais uma vez os jovens trouxeram um grito de dor. “Vimos os jovens da periferia de Manaus com tantos desafios e vimos praticamente as mesmas dificuldades com os jovens do campo. Essa mesma juventude que vive essas violações conjuga o verbo “Esperançar”. Disse Kohara.