"Contribuir com o fortalecimento das Organizações Sociais na perspectiva da defesa dos direitos e da transformação social, construindo parcerias e dando visibilidade a práticas sociais inovadoras".

Glória Casaldáliga vence eleições na Catalunha  

Sobrinha do bispo Pedro Casaldáliga é atual prefeita da cidade Balsareny

Glória é sobrinha de dom Pedro Casaldáliga que foi bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT). O pontífice nasceu na Catalunha, viveu sua missão no Brasil e faleceu em agosto de 2020. Dom Pedro deixou um legado marcado por suas posições políticas e pelo trabalho pastoral em defesa de direitos dos povos indígenas e o combate à violência no campo brasileiro. A família Casaldáliga mantém o compromisso de Pedro em defesa do povo.  Sua sobrinha que também acompanhou a vida do tio em São Félix do Araguaia, assume seu mandato na prefeitura de Balsareny com a participação popular e alinhada aos direitos humanos, uma construção política que serve de inspiração ao Brasil.

 

Por Denise da Veiga Alves

 

Adiante! Coletivo de moradores sem partido emplaca a eleição de uma prefeita comprometida com o povo

 

Primeiro dia de trabalho da alcadesa de Balsareny, Glória Casaldáliga Foto| Denise da Veiga Alves

 

Na Catalunha, uma alcadesa (prefeita) comprometida de longa data com as causas populares foi eleita como cabeça de uma chapa popular apartidária, (29/05) e empossada em 17 junho.

 

Glória Casaldàliga, jurista de 57 anos de idade,  descende de uma família estabelecida na cidade de Balsareny há alguns séculos. Seu pai, além de ter sido  prefeito de Balsareny como outros parentes em tempos mais remotos, nasceu no prédio que foi transformado em prefeitura. O tio  de Glória, atual prefeita foi o bispo  de São Félix do Araguaia, (MT),  dom Pedro Casaldàliga, atuou por 52, em sua ação pastoral.  Dom Pedro conviveu de perto e defendeu os direitos dos povos indígenas e de comunidades rurais desde 1968  até a sua morte em agosto de 2020, em Batatais, (SP).  A prefeita de Balsareny tem uma profunda ligação com o povo brasileiro, fruto de suas muitas viagens à região do Araguaia, e pelo convívio por décadas com movimentos populares que lutam por direitos humanos. E, pelo que a eleição para a prefeitura de Balsareny demonstrou, tem também um compromisso profundo com o povo de seu lugar de origem.

 

Anem endavant! Som present, fem futur!

Vamos em frente! Estamos presentes, somos futuro!

“Endavant”, nome da chapa vencedora, é uma expressão catalã usada para encorajar alguém a fazer ou continuar fazendo alguma atividade. Um grupo de amigos discutiam numa roda de bar sobre medidas para melhorar a vida da população local, propondo fazer política de uma forma mais participativa, solidária e empática.

 

Tudo começou a partir de uma conversa entre amigos da localidade de Balsareny, na Catalunha, cidade de 3.300 habitantes que fica a 70 km de Barcelona. Além da alcadesa eleita, outros moradores da pequena cidade com perfis e idades diversas se empenharam na campanha eleitoral que só dura duas semanas. Na chapa, constavam formalmente onze membros e três suplentes, de 28 a 68 anos e de profissões as mais diversas: bombeiro, engenheiro de minas, trabalhador do setor alimentício, administradora, enfermeiro, professores, atriz e filóloga, fotógrafo, engenheira agrônoma e industrial.

 

Foto| Denise da Veiga Alves

 

Dentre as propostas que seduziram eleitoras e eleitores, a criação de vários conselhos de participação popular, nas áreas de entidades culturais, entidades esportivas, de mulheres, além de comissões de saúde, com os agentes da área, e de lojistas e comerciantes. Mais zonas verdes, consultoria ambiental para tratar de ações menos impactantes sobre as mudanças climáticas no âmbito particular e municipal, recuperação do parque imobiliário e promoção de aluguéis sociais, espaços autogestionados para os jovens, suporte às atividades extraescolares para todos os estudantes, criação de um banco de tempo para troca de saberes, promoção de projeto intergeracional, melhoria do acesso ao espaço público e aos equipamentos municipais, mobilidade urbana, valorização do potencial turístico, criação de protocolos contra o assédio em todos os âmbitos etc.

 

O orçamento da campanha, resultado do cálculo legal, se resumiu a apenas 360 euros, restringindo a possibilidade de realizar materiais de divulgação, compra de envelopes etc. Porém, o engajamento militante dos correligionários foi transformado em discussões e debates nos bairros, em espaços públicos, festividades onde cada qual trazia um prato de tortilla (omelete de batatas) e bebidas e muito trabalho voluntário para que as propostas, em via de mão dupla, transitassem entre os membros da lista e a população de Balsareny.

 

 

A simplicidade da campanha do Endavant contrastou com o eco que suas propostas encontraram no eleitorado local, que o elegeu numa disputa acirrada pelos votos, num país onde votar não é obrigatório como no Brasil. Dos 2.610 eleitores aptos a votar, apenas 57.7% participaram do escrutínio. Endavant Balsareny recebeu a confiança de 36,62% dos eleitores, suplantando partidos como o ERC-AM (Esquerra Republicana de Catalunya– Acord Municipal, 33,49%), o JUNTS (22,73%) e o PP (4,01%).

 

A experiência tocada pelo coletivo Endavant Balsareny aponta uma forma mais humana e solidária de fazer política. Política de proximidade com foco nas necessidades expressas diretamente pela comunidade, que co-construiu os objetivos (e não promessas) da campanha vitoriosa.

 

A experiência de construção participativa de plataforma política para ser implementada por membros eleitos da comunidade desafia a forma como se tem praticado política no Brasil, distanciada das bases sociais. A eleição para a prefeitura de Balsareny, pequena cidade catalã, pode ser inspiração e norte para uma outra forma de fazer política, incorporando a escuta e o diálogo para, todas e todos, agirmos para implantar o bem viver onde quer que vivamos e atuamos.

 

Denise da Veiga Alves,  é ativista pelos direitos humanos e mediadora de conflitos. Atuou como advogada popular, indigenista e feminista no Brasil e, radicada em Genebra, trabalha há alguns anos junto à população em situação de vulnerabilidade nessa cidade. Graduada em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa (1987), em Direito pelo UDF Centro Universitário (2006) e mestre em Etudes du Développement pelo Institut Universitaire d’Etudes du Développement (1995.