Carta dos povos e comunidades tradicionais encerra seminário denunciando as violações enfrentadas e reafirmando a luta em defesa da vida e da casa comum.
Por Cláudia Pereira | APC
O Seminário dos Povos e Comunidades contra a Violência, foi encerrado hoje (23) em Brasília com uma carta cobrando ao governo reivindicações e denunciando as violações sofridas nas comunidades e territórios. Em quatro dias, os participantes vivenciaram momentos de escuta e debate sobre as diversas violações sofridas nas comunidades e territórios. Ao final do encontro, as lideranças pontuaram as pautas e ações que precisam ser fortalecidas. Alertaram sobre os conflitos e ameaças que são permanentes, além das violações contra os direitos dos povos e a natureza que precisam de ações urgentes. Entre os pontos debatidos ,as lideranças denunciaram as fragilidades do programa de proteção para as lideranças ameaçadas que não garante a segurança e por diversas vezes citaram o caso da Irmã Bernadete Pacífico, líder quilombola assassinada há um ano no estado da Bahia.
Após momento de mística, os participantes fizeram encaminhamentos e reforçaram a espiritualidade, ancestralidade e territorialidades como eixo comum para os povos e comunidades tradicionais. Enfatizaram que a Articulação das Pastorais do Campo há mais de dez anos caminha junto aos povos apoiando e fortalecendo as lutas e que o seminário foi mais espaço de escuta e esperança. Ao encerrar o seminário as representações dos povos e comunidades tradicionais do Brasil, apresentaram a carta que denuncia o acirramento da violência, o avanço do agronegócio, da mineração e dos projetos energéticos que ameaçam a vida dos povos. A carta levanta questões sobre a impunidade e injustiça e faz exigências ao governo com base nas reivindicações apresentadas em um documento entregue no dia 22 de agosto no Palácio do Planalto.
“Temos que cobrar as nossas demandas não só para o poder executivo, temos de cobrar o poder judiciário, temos que pensar em estratégias para cobrar a todos”, reforçou Antônio Baiano. O seminário contemplou as pautas sobre a violência contra os povos e contribuiu para dar visibilidade às pautas dos povos e comunidades que defendem a natureza. O evento foi encerrado com gestos de gratidão e um caloroso abraço coletivo, ao som do violão de Antônio Baiano, que ressaltou a interconexão presente em nossa casa comum.
O seminário dos Povos Contra a Violência foi organizado pela Articulação das Pastorais do Campo que integram as pastorais do campo e organismos da igreja católica e a Campanha Contra a Violência no Campo, constituída por entidades da sociedade civil, movimentos populares e pastorais.
Leia carta na íntegra
Carta do seminário de Povos e Comunidades Contra a Violência no Campo
Entre os dias 20 e 23 de agosto de 2024 foi realizado no Centro Cultural de Brasília o Seminário de Povos e Comunidades Contra a Violência no Campo, com 76 participantes vindos e vindas de todos os estados da Federação, sendo representantes de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais Quilombolas, Ribeirinhas/Pesqueiras, Vazanteiras, Geraizeiras, Quebradeiras de Coco Babaçu, de Fundo e Fecho de Pasto, Apanhadoras de flores sempre-viva, Guardiões das sementes e Agricultores e Agricultoras Familiares em geral. O seminário foi fruto de um esforço coletivo da Campanha Contra a Violência no Campo e Articulação das Pastorais do Campo.
Com o lema: Somos terra, somos água, somos vida! o seminário teve como objetivo, articular um conjunto de povos e comunidades, movimentos e organizações sociais populares para enfrentar e dar visibilidade às situações de violência e impunidade nos territórios; debater e apresentar linhas de ação para o enfrentamento da violência no campo. O encontro contou com a participação dos povos do campo, das águas e das florestas que compartilharam as suas memórias, cantos, clamores, revoltas e gritos em defesa da vida, acendeu em nós a solidariedade pelo exemplo da luta de Mãe Bernadete, Edivaldo Pereira e Fernando dos Santos que foram assassinados por defender seus territórios, sua liberdades e pela situação de violência permanente contra os povos Avá Guarani e Guarani Kaiowá nos estados do Paraná e do Mato Grosso do Sul.
A atual conjuntura do país está marcada pela persistência e o acirramento da violência contra os povos e comunidades em seus territórios. O avanço do agronegócio, da mineração e de grandes projetos energéticos, bem como da especulação imobiliária, a caça e pesca ilegal, o tráfico, as madeireiras e o garimpo configuram, dentre outros, as principais frentes de violência contra os povos e comunidades. Permanecem e se acentuam no quotidiano dos territórios as ameaças, invasões, intimidações, criminalização e assassinatos de lideranças, enquanto o modelo hegemônico de exploração dos bens naturais nos conduz a um colapso ambiental evidenciado em todas as partes do país. As forças econômicas controlam espaços fundamentais do Estado que, rendido à lógica do capital, não avança na garantia dos direitos e na regularização dos territórios e se mostra inerte e ineficiente no enfrentamento da violência e na proteção das comunidades, alimentando a certeza da impunidade.
Na tarde do dia 22, como parte da programação do seminário, foi realizada audiência com a Secretaria Geral do Governo, Comissão de Enfrentamento à Violência no Campo, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério das Mulheres e Ministério da Justiça. Como forma de dar visibilidade, denunciar e cobrar do governo posicionamento favorável às pautas e reivindicações apresentadas.
Até quando? Até quando vai persistir a violência e a destruição de nossos territórios? Até quando vamos continuar enterrando pessoas assassinadas por defender seus direitos? Até quando toda esta impunidade?
Os povos e comunidades tradicionais, pastorais, movimentos sociais e populares, denunciam a violência e reafirmam a defesa da vida, dos territórios e de um país plural, justo e solidário. Reiteram seu compromisso em continuar enfrentando, de forma articulada e coletiva, a violência e firmando seus projetos de vida nos territórios que lhes pertencem. Exigem ao Estado brasileiro que assuma suas responsabilidades e obrigações na garantia dos direitos fundamentais e conclamam a toda a sociedade brasileira para agir, todos juntos e em mutirão, pelo fim da violência e da impunidade, pela defesa da vida e da justiça.
Brasília, 23 de agosto de 2024
*Texto publicado originalmente no site da Cepast-CNBB.
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