Dom José Ionilton
Bispo da Prelazia de Itacoatiara (AM)
A Igreja Católica, em sua história de compromisso nos diversos territórios do Brasil, está se esforçando para acompanhar as comunidades ameaçadas ou vítimas de conflitos socioambientais. Merecem destaque, entre outros, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), o Conselho Pastoral de Pescadores (CPP), religiosos/as, cristãos leigos/as, paróquias e dioceses empenhados em defesa da vida ao lado das comunidades mais atingidas.
A CPT publica a cada ano o Caderno dos Conflitos no Campo. Em 2022, houve um crescimento elevado da violência contra as pessoas. Foram 553 ocorrências, que vitimaram 1.065 pessoas, 50% a mais do que o registrado em 2021. Isso resultou em 47 assassinatos por conflitos no campo. Os indígenas foram os alvos mais frequentes. Em 2022, 38% das pessoas assassinadas eram indígenas, seguidos por trabalhadores/as sem terra, com 19%, e também por ambientalistas, assentados e trabalhadores assalariados, com 7% cada grupo.
Frente a esta expansão da violência, um dos primeiros frutos concretos do Sínodo para a Amazônia (que é hoje a região mais atacada e disputada) foi a Campanha “A vida por um fio”, rede de entidades inspirada pela Igreja e ampliada a outros organismos e movimentos, voltada à autoproteção de lideranças e comunidades ameaçadas.
A violência no campo e contra a natureza só pode ser superada se houver transparência e acesso à informação sobre os grandes projetos que querem se impor nos territórios. Também precisa de participação pública, acesso à justiça sobre os assuntos ambientais e segurança para os defensores/as dos biomas e dos povos. Todos estes elementos são a base do Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental de América Latina e Caribe, adotado internacionalmente na cidade de Escazú, Costa Rica, em 2018. O Brasil assinou o Acordo em setembro de 2018, mas até hoje não o ratificou, tornando-o vigente no País. Estamos muito atrasados, já que 18 dos 25 signatários já o ratificaram.
A ratificação do Acordo, que agora depende de uma aprovação do Congresso Nacional, é um passo importante para garantir políticas públicas de Estado, e não de governo, em defesa dos direitos socioambientais. Com o Acordo, se fortalece a participação social, o empoderamento da sociedade civil pelo acesso à informação, a segurança dos defensores/as ambientais.
“A gente não quer mais falar pelas nossas cicatrizes”, comentam as lideranças negras que reivindicam seus direitos. “Quando uma quilombola tomba, a gente se levanta”, declaravam as companheiras de Mãe Bernardete em visita a Brasília com ela, uma semana antes que esta liderança do quilombo Pitanga dos Palmares (BA) fosse assassinada em sua casa.
Por tudo isso, a Igreja apoia com força a ratificação do Acordo de Escazú e se empenha, junto a Movimento homônimo, para que o iter na Câmara seja rápido e eficaz: o grito da natureza e das comunidades ameaçadas o impõe! Naturalmente, só a ratificação não é suficiente: há muito para construir na legislação e nas decisões do poder executivo e judiciário, em defesa dos mais frágeis e da Mãe Terra. Além disso, precisará traduzir o Acordo num Plano Regional que garanta efetiva segurança a quem cuida dos biomas.
Papa Francisco, na encíclica Laudato Si’, já nos indica que o caminho para a proteção da vida nos territórios deve passar pelo protagonismo dos povos que os habitam:
“Para os povos indígenas, a terra não é um bem económico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de interagir para manter a sua identidade e os seus valores.
Em várias partes do mundo, estes povos são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura”.
“Os povos indígenas, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida”. (LS 146).
Há sinais de esperança e sementes que estão germinando, no continente latino-americano. No dia 20 de agosto, no Ecuador, dois referendos aprovaram o sim à vida nos territórios, para além do extrativismo predatório. Foi dito não à mineração na região do Chocó Andino e sim para deixar o petróleo de um setor do Parque do Yasuní debaixo do solo. O povo do Equador compreende que não há futuro se a prioridade continuar sendo o saque da natureza e das pessoas. Precisará ver se seus representantes políticos conseguirão traduzir este anseio em decisões concretas.
Também o Acordo de Escazú representa uma semente de esperança, que precisamos acompanhar e apoiar com decisão. Deus abençoe e acompanhe este processo!
Artigo publicado originalmente no site cnbb.org.br
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