"Contribuir com o fortalecimento das Organizações Sociais na perspectiva da defesa dos direitos e da transformação social, construindo parcerias e dando visibilidade a práticas sociais inovadoras".

Carta de compromisso com a democracia de padres e religiosos ao presidente Lula

 

 

O candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, recebeu nesta semana (17) de religiosas e religiosos da vida consagrada, uma carta de compromisso com democracia e com causas sociais do Brasil. O encontro, que aconteceu em São Paulo (SP), foi oportuno para os religiosos católicos pudessem expressar a preocupação com o futuro do país.

 

A carta

 

Caríssimo presidente Lula, nós padres, religiosos e religiosas, de diversas dioceses, congregações e institutos de vida consagrada, escrevemos a você essa carta para que possamos, de forma muito cordial e fraterna dar-te a conhecer nossas angústias sobre o momento presente e nossas esperanças para o futuro de nosso país. Você é, como todos nós, um brasileiro que agora pede para ser o representante máximo de nossa República. Não falaremos de forma formal, mas sincera e verdadeira.

Em 2018 havíamos já nos manifestado para o perigo da eleição do atual presidente e de seu governo. O desastre era previsível e hoje está diante de nossos olhos. A manipulação da população através de Fake News, a instrumentalização da religião para fins eleitorais, os discursos de ódio e repletos de preconceitos e a marginalização dos pobres, foram os métodos que formaram a propaganda que elegeram o governo que hoje nos assombra. No entanto, não podíamos imaginar que o ódio poderia ter raízes tão profundas em parte da nossa população. Isso nos deixou profundamente escandalizados. Reafirmamos nossa fé no Deus de Jesus Cristo que coloca como condição de salvação nossa solidariedade com as pessoas excluídos da convivência social: “Pois eu estava com fome e me destes de comer, eu estava com sede e me destes de beber, eu era estrangeiro e me recebestes em casa; eu estava nu e me vestistes; eu estava doente e cuidastes de mim; eu estava na prisão e fostes me visitar (M25, 35).

Hoje, na iminência do segundo turno das eleições, vemos com clareza que estamos diante de dois projetos absolutamente diversos: o seu e o do atual presidente da República. Ele está jogando com as mesmas armas que jogou em 2018, tendo, no entanto, o reforço do orçamento secreto e de todos os dispositivos que a máquina pública lhe pode conceder. A proposta é de um governo autoritário, com o desmonte das instituições republicanas e chegando a ser um perigo real para o regime democrático. Em um determinado momento da campanha de 2018 o então candidato e atual presidente afirmou que as “minorias devem se curvar às maiorias”. Isso não é democracia!

Para nós, imbuídos do espírito do Concílio Vaticano II, pisando essa terra pastoreada por homens como Dom Helder Camara, Dom Paulo Evaristo Arns, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Luciano Mendes de Almeida, Dom José Maria Pires, Dom Mauro Morelli, Dom Angélico Sândalo, Dom Cláudio Hummes e tantos outros grandes bispos, terra amada e defendida por tantos homens e mulheres, como Margarida Alves, Zilda Arns, Chico Mendes, Dorothy Stang, democracia é sinônimo de justiça social. Democracia é inclusão. Democracia é bem-comum. Democracia significa direitos iguais. Democracia é o fim da miséria. Papa Francisco nos repete sempre que a desigualdade é a raiz de todos os males sociais.

Por isso, caro presidente Lula, estamos aqui para te expressar que temos confiança de que você possa, novamente, através de uma nova equipe de governo, nos reacender a esperança de que essa democracia ainda pode ser construída e de que o nosso povo pode voltar a sonhar com um futuro melhor. Nossas preocupações vão de encontro com os reais problemas do nosso país: o aumento da miséria e o grande desafio da superação da pobreza e da fome; um autêntico cuidado com a vida do seu início ao seu fim natural e a garantia de que todas as famílias brasileiras tenham a dignidade de trabalho, moradia, saúde e educação; a já citada defesa da democracia e a superação de todas as formas de preconceito; o cuidado com a casa comum, em especial com a Amazônia e nossos povos originários e quilombolas.

Não temos preocupações interesseiras, pois sabemos que você sempre respeitou a liberdade religiosa de todos os cidadãos e temos certeza que continuará respeitando e assegurando que cada cidadão possa livremente viver sua fé ou mesmo declarar-se sem fé, sendo respeitado nas suas crenças pessoais e comunitárias. Como cristãos não olhamos para nós mesmos, mas para o mundo, para a realidade que nos cerca, tentando viver o amor e o serviço como nos ensina Jesus.

Enfim, te pedimos que nos assegure a democracia. Não apenas uma democracia formal, onde todos podem e devem ser consultados, sendo respeitada a vontade da maioria, mas a democracia como superação da desigualdade, onde todos possam ser plenamente cidadãos livres, tendo seus direitos respeitados e suas vidas defendidas. Nossa Constituição Federal reza, no art. 3, que os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil são: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Que a tua bússola seja colocar em prática os objetivos constitucionais de nossa República.

Querido presidente Lula, para colocar em prática tudo isso e para estabelecer uma cultura de paz, conte com nossa ajuda, nosso apoio e nosso trabalho pastoral. Somos servidores do Reino de Deus e queremos que o amor impere num país ainda marcado pelo ódio e pela violência. Esperamos que você possa vencer essas eleições e, juntamente com um novo governo, servir nosso povo com dedicação e fidelidade. Conte sempre com nossas preces!

 

Brasília, 17 de outubro de 2022