"Contribuir com o fortalecimento das Organizações Sociais na perspectiva da defesa dos direitos e da transformação social, construindo parcerias e dando visibilidade a práticas sociais inovadoras".

Carta de Brasília

Reunidos no dia 29 de agosto de 2016, em Brasília/DF, representantes do Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais (CAIS), Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), Ligação e Organização (ELO), Processo de Articulação e Diálogo (PAD) e Escritório de Diálogo e Ligação de Misereor no Brasil (DVS) – entidades que promovem o diálogo entre Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e Agências de Cooperação Internacional – refletiram acerca do contexto brasileiro pós-golpe parlamentar, tendo em vista iminente votação do impeachment da Presidenta Dilma, confirmado no dia 31 de agosto de 2016.

É consenso que o impeachment significa o fim de um ciclo marcado pelo fortalecimento da democracia e maior investimento nas políticas de desenvolvimento e inclusão social. O golpe que ocorreu no Brasil não é um fato isolado, mas que reflete a disputa de poder em toda América Latina, se considerarmos o processo de suspensão de mandatos dos presidentes de Honduras e Paraguai e olharmos de maneira cuidadosa para o cenário de mudanças sociais e políticas na Argentina.

No Brasil, as ações articuladas entre os poderes legislativo, executivo e judiciário, apoiadas por setores econômicos e pela mídia brasileira, produzem elementos suficientes para afirmar que houve uma grande conspiração que resultou na derrubada da presidenta Dilma Rousseff, reeleita pelo voto direto de mais de 54 milhões de brasileiros.

Dentre as consequências deste processo destaca-se a perda imediata dos espaços institucionais de atuação dos movimentos e OSCs, refletindo uma agenda de retrocessos imposta pelo Congresso Nacional, pelo governo de Michel Temer e pelo judiciário. Como exemplo podemos citar a eliminação de secretarias e ministérios, instituídos a partir da mobilização e articulação das OSCs e dos movimentos sociais, como o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Secretaria de Política para as Mulheres, da Secretaria de Combate ao Racismo, dentre outros, comprometendo a execução de políticas públicas essenciais para a sociedade, muitas delas discutidas e deliberadas no âmbito dos diversos conselhos de participação e controle social, além caracterizar-se como um governo machista e racista, considerando a ausência de mulheres e de representações do povo negro e indígena de nosso país.

É evidente que os retrocessos das políticas sociais, econômicas, culturais e ambientais, implicará também na redução dos mecanismos de participação social, do acesso aos fundos públicos e consequentemente na execução de projetos sociais voltados para as populações em situação de vulnerabilidade.

Neste cenário torna-se necessário reforçar e valorizar o importante papel que as OSCs e os movimentos sociais desempenharam ao longo das últimas décadas para os avanços e conquistas no campo da defesa de direitos e dos bens comuns, como do direito à cidade, da agroecologia, da produção da agricultura familiar, e no acesso às políticas sociais de educação e saúde, entre outros. Destaca-se ainda que tais conquistas só foram possíveis com apoio fundamental da Cooperação Internacional Solidária, cuja relação de parceria foi estratégica para a construção e consolidação da democracia no país. Foi graças à celebração de centenas de parcerias que a sociedade civil brasileira avançou na sua capacidade de promover e executar projetos de ação direta e de incidência política, que beneficiou milhares de mulheres e homens, jovens e crianças, nos campos e nas cidades.

Com um histórico de avanços e conquistas, as OSCs e os movimentos sociais têm a responsabilidade de manter-se em resistência e luta frente aos retrocessos no Brasil e em aliança com a América Latina. Para tanto se faz necessário estreitar laços e parcerias com a Cooperação Internacional Solidária, compreendendo que o mundo enfrenta um contexto controverso de perdas da cultura civilizatória e exige iniciativas coletivas e complementares de relações de cooperação Sul/Sul, Sul/Norte e Norte/Norte. Neste sentido, segue em anexo o texto de autoria de Paulo Maldos que registra uma rápida memória das relações de cooperação com o Brasil, cuja história demonstra o quão é importante e necessária as relações de parceria constituídas até então para o fortalecimento da democracia e dos direitos humanos.

É chegada hora de fortalecer os espaços bilaterais e multilaterais de diálogo entre os mais diversos atores, em especial as OSCs e as Agências de Cooperação que atuam no Brasil, para constituir novos pactos e relações de cooperação levando-se em conta a origem e a centralidade da cooperação internacional: a solidariedade entre povos.

Brasília, DF, setembro de 2016.