Notícias falsas têm contribuído para a queda do Brasil no ranking de liberdade de expressão
Élio Gasda*
Levantamento do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) TICKids Online Brasil, divulgado em agosto, mostra que 93% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos são usuárias de internet. São 23 milhões! O celular é o dispositivo principal para conectar-se à internet (93%). Setenta e oito utilizam para acessar redes sociais.
Pesquisa do Núcleo Brasileiro de Estágios (Nube) aponta: 40% dos jovens brasileiros não conseguem ficar 24 horas sem celular. Pesquisa publicada em maio deste ano, pela MCAfee indica que o Brasil é o país com maior exposição de jovens e crianças a celulares e aparelhos eletrônicos no mundo, com uma taxa de 96%.
Relatório da AppAnnie comprova que os brasileiros são os que mais tempo estão no celular: 6 horas/dia. Brasileiros passam, em média, 30 horas por mês no WhatsApp. Levantamento da NordVPN feito no início de 2022 aponta: brasileiros maiores de 18 anos passam mais da metade de suas vidas na Internet. 41 anos! São quatro dias inteiros por semana conectados, 197 dias por ano. Apenas 19 das 91 horas semanais são para trabalho.
Youtubers, instagramers, influencers. Segundo pesquisa da Nielsen, o Brasil é campeão mundial em número de influenciadores digitais. Só no Instagram são quase 11 milhões.
Essa espécie de ciberdemocracia pode ser uma via para a participação dos cidadãos na política. Candidatos que participam das Eleições 2022 têm o Facebook e o Instagram como redes sociais mais utilizadas. É a democracia tentando se adaptar a essa geração de “nativos digitais” que não sabe o que é viver sem internet.
Redes sociais são fonte de informação para o eleitor. O uso da Internet está substituindo formas tradicionais de propaganda eleitoral. Grupos viraram entidades fechadas. “Bolhas” se formaram em torno de posições ideológicas.
Fake News, informações inverídicas apresentadas como histórias factuais, produzidas e distribuídas em ambientes digitais, são apontadas como o principal problema ético no uso da internet. Mentiras viram fatos políticos.
Redes sociais são acusadas de manipular eleições, incitar violência, vazar informações. A rápida circulação de notícias falsas produz cenários igualmente falsos que confundem o discernimento dos cidadãos. Podem, também, minar a confiança no sistema eleitoral. Não basta ser contra as fake news. É preciso combatê-las!
Tecnologias digitais são projetadas para serem ferramentas de auxílio à decisão humana, mas estão se tornando instâncias de decisão em si. Assistimos uma crise da capacidade de discernimento e da dimensão crítica da razão.
A manipulação das decisões individuais se traduz na passagem do mundo virtual para o mundo real da política. Esse controle da liberdade de eleição se concretiza no efeito manada e no comportamento de rebanho (Nietzsche): indivíduos agem da mesma forma levados pela multidão. Decisões impensadas e emocionais que não consideram os riscos, são ameaças à democracia e interditam o diálogo.
Mídias sociais estão alimentando discursos que violam direitos fundamentais. A Liberdade de expressão – direito assegurado no Art. 5º da Constituição Federal – tem seus limites previstos pela própria Carta Magna. Esse direito não pode ser utilizado para justificar discursos que incitam a violência contra a mulher, o ódio contra minorias e o racismo, que insultam e difamam. Tais crimes, quando usam o nome de Deus, tornam-se ofensas ao próprio Deus. É blasfêmia.
Ninguém pode falar o quiser sem arcar com as consequências. O Art. 5º, inciso X, afirma serem invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
As fake News têm contribuído para a queda do Brasil no ranking de liberdade de expressão, assim como ataques agressivos contra jornalistas e comentários discriminatórios contra minorias. Internet não é terra sem lei. O Marco Civil da Internet (Lei N° 12.965/2014), dividido em 32 artigos, estabelece princípios, garantias, direitos e deveres. O projeto de lei 2.630 – Lei das Fake News – institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
Manifestações que violam a dignidade humana, a imagem e a integridade da pessoa, não é liberdade de expressão. Divulgar notícias falsas pode ser mortal. Milhares de brasileiros perderam a vida na pandemia por acreditar nas inverdades do presidente do país em defesa do kit covid, da cloroquina e na ineficiência do uso da máscara de proteção. Desde sua posse, Bolsonaro deu 6.200 declarações falsas ou distorcidas, são 3 mentiras por dia.
“O antídoto mais radical ao vírus da falsidade é deixar-se purificar pela verdade” (Papa Francisco). Assim como Jesus, todo cristão deve ser testemunha da verdade: “Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade” (Jo 18, 37).
“A sociedade tem direito a uma informação fundada sobre a verdade e a justiça” (Catecismo da Igreja Católica, n. 2494).
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: ‘Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja’ (Paulinas, 2001); ‘Cristianismo e economia’ (Paulinas, 2016).
Publicado originalmente em Dom Total
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