"Contribuir com o fortalecimento das Organizações Sociais na perspectiva da defesa dos direitos e da transformação social, construindo parcerias e dando visibilidade a práticas sociais inovadoras".

Momento é de organizar as lutas contra a fome, a dívida e as velhas práticas neoliberais

Com a pandemia afetando os setores mais vulneráveis, a resposta de muitas nações da América Latina, Mesoamérica e Caribe tem sido empréstimos e mais empréstimos, além da ampliação das atividades extrativas e a manifestação recrudescida desse poder patriarcal, profundamente arraigado numa visão masculina que se expressa tanto no próprio manejo da crise causada pela Covid-19 quanto no aumento do feminicídio e da violência às mulheres neste período.

Na região Andina, Pedro Castillo acaba de assumir a presidência do Peru e, ainda que mostre ser o melhor para falar a partir dos povos, seu discurso já sinalizou que não vai fazer mudanças quanto aos setores extrativistas. Nomeou para Minas e Energia um ministro alinhado à mineração, Iván Merino, que fala em “novo pacto” com o setor dialogando com empresas de todos os portes. Por outro lado, avançam os passos de uma assembleia constituinte que enterre a herança do ditador genocida Alberto Fujimori. No discurso de posse, Castillo garantiu que vai apresentar em breve um projeto de lei para alterar a constituição peruana.

Na Colômbia, os protestos contra o governo do presidente Iván Duque parecem já não estar mais tão visíveis, mas, sobretudo, os jovens seguem mobilizados. Ainda que possam arrefecer, esses processos de mobilização social são sementes e deixam o espírito combativo na região, tendo ainda o papel de provocar debates internos nas organizações sobre o que fazer e os caminhos a seguir na luta popular por direitos.

Fascismo estratégico

No Equador, são apenas dois meses desde a posse do empresário Guillermo Lasso e o panorama político deve ficar mais claro nas próximas semanas, mas ele já demonstrou que atua para expansão do setor de mineração e petrolífero, sem maiores mudanças quanto à cartilha neoliberal.

Há um agravante que nos traz um alerta e desafios de ação. Ao mesmo tempo em que leva à cabo seu projeto neoliberal, Lasso ganha legitimidade com o avanço da vacinação no país onde 12 milhões dos 17 milhões de habitantes acima dos 16 anos já foram imunizados, o que tende a dificultar ou protelar a reação popular contra as políticas neoliberais do presidente equatoriano. O que se vê é uma direita fascista, mas não sem inteligência, ao contrário, com estratégias mais difíceis de combater.

Seguem em várias partes da região de nossa América Latina e Caribe as privatizações, como foi a tentativa frustrada pela luta popular da privatização da água em El Salvador, ou no setor de saúde dos vários países, ou mesmo a do setor elétrico no Brasil, que impacta diretamente o país vizinho, Paraguai, com a Usina Hidrelétrica de Itaipu/Yacyterá. E como não bastasse, a banca do Fundo Monetário Internacional e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) continua colocando em prática a receita privatizante sobre os povos e territórios.

No Cone Sul, as investigações do governo sobre a compra de vacinas e outras medidas contra a Covid-19 aprofunda o desgaste de Jair Bolsonaro no Brasil. As pesquisas mostram queda na popularidade do presidente e o impeachment é urgente, mas os congressistas da situação (o chamado “centrão”) continuam manobrando para que isso não seja a agenda principal. Nas ruas, mais cidades protestaram no último 24 de julho em todo o país, mas a participação popular vem sendo desgastada por questões internas que afetam parte dos atores envolvidos. Como nas eleições municipais há dois anos, parcela dos partidos e movimentos à esquerda estão mais preocupados com o pleito de 2022. Seguimos pautando que a hora é de deixar as disputas eleitorais de lado e fortalecer cada vez mais um movimento pela derrubada de Bolsonaro e do projeto que representa.

É hora de organizar as lutas porque os indícios dos crimes são muitos, as classes médias querem uma terceira via e enquanto isso o povo morre de fome, de frio, sem casa e pelo vírus. Somente 40% da população tomou a primeira dose da vacina e 19% a segunda dose. O que significa afirmar, segundo estudos de centros de pesquisa, que a maioria da população das periferias, os mais pobres, as mulheres negras, indígenas, não tiveram acesso à vacina, privilégio urbano e das classes médias.

O Brasil volta ao Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO); o inverno causando morte das pessoas pelo frio, e famílias inteiras vivendo nas ruas por falta de renda para as contas básicas, como água, energia, aluguel é uma triste realidade. Os povos indígenas seguem no embate contra a mudança na legislação de demarcações e a volta às aulas presenciais deixa o cenário mais complexo porque o governo, mais preocupado com a economia do que com a vida, age como se toda a população de mais de 200 milhões de pessoas já estivesse imunizada.

Na Argentina o tema da dívida voltou a ganhar amplo destaque na pauta, com a população em jornada de protestos porque a “reestruturação” da dívida acordada no último 20 de julho com o Fundo Monetário Internacional (FMI) vai transferir mais de 3,3 bilhões de dólares ao governo argentino de Alberto Fernández, novamente à custa de medidas de austeridade impostas pelo FMI que mantém o país de joelhos para pagamento dos débitos. Quando o acordo anterior foi assinado com o FMI, em 2018, a pobreza no país cresceu de 26% para 36% e atualmente chega a 58% dos maiores de 14 anos.

Pandemia agrava crise migratória e feminicídio

Na Mesoamérica, o povo nicaraguense por um lado tem as menores taxas de contágio da Covid-19 e um manejo da pandemia considerada responsável, mas por outro lado enfrenta a menor taxa de vacinação da população em comparação com El Salvador. Politicamente, a situação é delicada não no nível interno, mas no internacional, devido à uma lei aprovada que investiga casos de lavagem de dinheiro. Externamente, o que é mostrado é que os candidatos da oposição a Daniel Ortega estão sendo presos, mas são pessoas investigadas que não tem candidatura registrada em nenhum partido que disputará as eleições de novembro de 2021.

Além disso, o que sente internamente são os impactos das medidas de bloqueio que os Estados Unidos vêm impondo por meio da Lei Nica-Act (Nicaraguan Investment Conditionality Act na sigla em inglês, legislação de governo Donald Trump que veta empréstimos à Nicarágua), tentando levar o país a uma crise econômica, com o aumento do desemprego e das migrações. O governo implementou diversos programas sociais como estratégia de segurança alimentar, que é o que freou a crise sem chegar ao ponto de a população passar fome, embora não se saiba por quanto tempo será possível mantê-los. Infelizmente, há um aumento da violência contra as mulheres e dos feminicídios que, embora não se compare às taxas muito altas do México, Guatemala, Honduras e El Salvador, continua a ser um alarme e uma questão delicada no nível regional.

O povo não aceita mais um governo com casos confirmados de corrupção – até mesmo desvio de fundos para supostas compras de vacinas que não chegaram – e houve greve nacional na Guatemala. Em El Salvador, o governo mantém uma relação polêmica com os Estados Unidos e o novo marco legal ambiental foi aprovado. É o governo que tem o maior número de população vacinada contra Covid-19 em toda a região, pois graças às suas novas relações com a China recebeu uma doação suficiente de vacinas, ao contrário de Honduras e Guatemala onde a imunização é mínima.

No México, a correlação de forças com os Estados Unidos tem causado aprofundamento do desemprego, já que o governo mexicano permanece aliado dos EUA em quase tudo,  embora seu discurso seja de uma narrativa diferente. Nada mudou quanto ao extrativismo e o México é o quarto país com mais mortes por Covid-19 na América Latina, ainda que já tenha conseguido vacinar uma boa porcentagem de sua população.

O assassinato de Jovenel Moïse é o maior e principal tema de debate em nível nacional no Haiti, onde a mobilização é forte e é importante poder acompanhá-la. Quanto aos protestos populares em Cuba, as mobilizações fazem parte do processo interno e não se pode ignorar os efeitos do forte bloqueio que há tanto tempo afeta o país. É preciso acompanhar respeitosamente o que vem ocorrendo e manter o embate contra o bloqueio e as políticas de retaliação dos Estados Unidos, estes sim os verdadeiros responsáveis pelas dificuldades enfrentadas pelo povo cubano.

Por justiça, na defesa dos direitos humanos e da natureza, seguimos com o desafio fundamental de julgar e condenar também os autores intelectuais do assassinato de Berta Cáceres – banqueiros, agroindustriais, empresários – assim como David Castillo foi condenado pela Corte Suprema de Honduras. Da mesma forma, neste período temos mobilizações marcando um ano do desaparecimento forçado dos jovens Garífunas de de Triunfo de la Cruz. Vivos os levaram, vivos os queremos e o mais breve possível!

Não devemos, não pagamos!
Somos os povos, os credores.

Coletivo de Coordenação Operativa (CCO) da Rede Jubileu Sul/Américas

30 de julho de 2021