Por Luis Fernando Donadio*
Neste mês de julho completam-se 17 meses desde a notificação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil. De lá para cá, inúmeras iniciativas foram realizadas no enfrentamento da pandemia, sendo quase todas protagonizadas por instituições públicas de ciência, tecnologia e saúde: hospitais, centros de pesquisa e universidades, que assumiram a linha de frente no atendimento da população pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no desenvolvimento de testes diagnósticos, na produção de vacinas, entre outras ações.
A atuação de destaque ganhou espaço cotidiano nos noticiários, e milhares passaram a conhecer melhor o papel e a importância do SUS, dos seus hospitais e centros de excelência. Talvez por isto, segundo o monitor de doações da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), cerca de 45% dos R$ 7 bilhões direcionados por empresas, fundações, indivíduos e poder judiciário, para o enfrentamento da pandemia, tenham sido doados diretamente a projetos ligados a instituições públicas.
Apoio este que viabilizou a construção de leitos hospitalares permanentes, realização de pesquisas, aquisição de equipamentos, expansão de fábricas para vacina, implantação de centrais de processamento diagnóstico, e outros legados que fortalecem a infraestrutura de vigilância sanitária do país no pós-pandemia.
No Brasil, recursos da iniciativa privada e/ou da sociedade civil doados para o fortalecimento de projetos liderados por instituições públicas não é algo comum. Diferentemente das práticas já consolidadas de universidades e centros de pesquisa europeus e americanos, que tem na captação de recursos profissionalizada um importante instrumento de sustentabilidade de suas ações, aqui, o esforço individual de pesquisadores submetendo projetos a editais ainda é o principal movimento na busca de recursos extraorçamentários.
A Covid-19 parece ter trazido algumas mudanças. Somente na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foram captados R$ 495 milhões, de diferente fontes e estratégias: crowdfunding, matchfunding, doações coorporativas, parcerias de marketing relacionada a causa, lives, termos de ajuste de conduta, entre outros, possibilitando um conjunto significativo de ações por todo o país. Além da Fiocruz, o Instituto Butantan e diversas universidades mobilizaram valores expressivos, também fortalecidos por campanhas e fundos emergenciais criados em apoio à projetos públicos de saúde.
Para algumas destas instituições foi uma experiência inédita receberem recursos de doação em apoio as suas ações. Mas o ineditismo não foi só de um lado. Muitas empresas, indivíduos e fundos, também neste período, apoiaram pela primeira vez de forma direta, centros de pesquisa, hospitais do SUS ou programas de universidades públicas.
Historicamente, situações dramáticas como desastres naturais, catástrofes, pandemias, costumam gerar respostas solidárias rápidas da sociedade. E assim foi com o novo coronavírus. Mas e depois, o que fica? Será que no Brasil teremos a continuidade do engajamento de doadores, apoiando bolsas de pesquisa, construção de laboratórios, reforma de hospitais e outros projetos estratégicos de ciência, tecnologia e saúde no país? Acredito que a resposta depende em certa medida de alguns fatores:
Primeiro, a necessária retomada da pujança econômica. Afinal, sem lucro para empresas e geração de renda para indivíduos, não há como doações se sustentarem e crescerem.
Em segundo lugar, a internalização nas instituições públicas dos instrumentos legais existentes para estímulo à construção de parcerias e doações. Atualmente, já contamos com a lei 8.958/1994 que possibilita as fundações de apoio captarem recursos para projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, para as Instituições Federais de Ensino Superior e demais Instituições Científicas e Tecnológicas; a lei 13.800/2019 que regulamenta a constituição de fundos patrimoniais; e mais recentemente, já aprovado no Senado, o projeto.de lei 4.450/2020, voltado a criação desburocratizada e simplificada de fundos filantrópicos emergenciais, com recursos para minimizar os impactos decorrentes das mais diversas hipóteses de calamidade pública. Este último, passando na Câmara dos deputados com texto atual, ainda trará o incentivo fiscal como estímulo à doação.
Por fim, talvez o mais desafiador, a mudança cultural das nossas instituições para construção de diálogo com os diversos e potenciais parceiros na sociedade. Para isto, se faz necessário entender a lógica das doações não como uma ação isolada a partir de uma necessidade emergencial, mas como a construção de um processo profissional e planejado, que prospecta oportunidades, articula parcerias, organiza e comunica de forma objetiva seus projetos, facilita a operação para viabilidade da doação, tem governança estruturada e, principalmente, dá transparência dos resultados gerados com os recursos recebidos.
Em resumo, se o desejo for a construção de um modelo de mobilização estruturado e longevo, que busque parcerias para potencialização de projetos públicos importantes, será preciso que nossas instituições invistam na profissionalização da sua captação.
É certo que volume de recursos doados durante a pandemia não permanecerá quando superarmos este cenário. O que permanece, porém, é o fortalecimento da cultura de doação, a percepção da importância social do SUS e das nossas universidades e o aprendizado de que é possível engajar setores da sociedade em causas relevantes.
Parece estar definitivamente enterrado o mito de que no Brasil não se doa, mas é importante não esquecermos que pessoas e empresas continuarão a doar para quem as convidem ao engajamento e saibam comunicar com transparência suas ações.
O caminho é longo, mas não difícil de ser percorrido. Algumas instituições de referência nacional já deram os primeiros passos e muitas outras também podem fazê-lo.
* Luis Fernando Donadio é Coordenador de Captação da Fundação Oswaldo Cruz e assessor do CAIS.
CAIS | Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais