As Pastorais Sociais, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Organismos e Movimentos Sociais entregaram hoje (21), em reunião, uma Carta para o Consórcio dos Governadores do Nordeste Brasileiro.
A reunião contou com a participação dos bispos do Nordeste Brasileiro, governadores e governadoras do “Consórcio dos Governadores do Nordeste”, lideranças das pastorais sociais, dos movimentos populares, representantes dos povos originários e das comunidades tradicionais.
Lei na íntegra o documento
Carta das Pastorais Sociais, CEBs, Organismos e Movimentos Sociais para o Consórcio dos Governadores do Nordeste Brasileiro
“Eu ouvi os clamores do meu povo e desci para libertá-lo” (EX 3,7).
Vivemos, no Brasil e no mundo, o esgotamento de um ciclo político que permitiu, nas últimas duas décadas, um equilíbrio complexo – e de geometria variável – entre o neoliberalismo e as políticas sociais que buscavam minimizar o impacto das desigualdades estruturais do próprio capitalismo, mantendo vivo, contudo, um imaginário democratizante e de direitos. Esse cenário tem se alterado nos últimos anos e por isso as direitas contemporâneas começaram a falar em uma “nova política”. Que para eles, vêm sendo construída a partir da eliminação de direitos e do fortalecimento de privilégios; destruindo os serviços públicos e possibilitando a radicalização da mercantilização em nome da luta “contra a ideologização”. Todas as formas de pensamento crítico, indivíduos e coletividades comprometidos com a emancipação vem sendo ameaçados, censurados e criminalizados; concepções morais, religiosas e autoritárias são alternativas à laicidade, à democracia e à diversidade. Estamos diante de um projeto de destruição, que mobiliza sentimentos e ódios contra vida, em sua mais variada diversidade.
O Brasil vive um processo de esfacelamento de garantias constitucionais e de políticas públicas que se alicerçavam nas lutas dos povos por seus direitos territoriais e coletivos, pelo fortalecimento da agricultura familiar e agroecológica, pela soberania alimentar e outras agendas que têm primado pela superação das desigualdades estruturais de nossa sociedade.
No contexto atual, importante ressaltar o papel do Consórcio Nordeste que congrega os governos dos nove Estados do Nordeste do Brasil pelo esforço de construir ações de enfrentamento a pandemia do novo coronavírus (Covid-19). De forma articulada e com liderança tem buscado medidas para a prevenção, o controle e a contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública, a fim de evitar a disseminação da doença e a estruturação do sistema de saúde para o atendimento da população.
Num contexto mundial, onde 4,4 bilhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, é preciso repensar essa forma de ser sociedade. É preciso incluir, acolher, ter empatia, é necessário tecer alternativas que favoreçam o desenvolvimento local. A economia solidária tem sido uma alternativa na geração de trabalho, renda e inclusão social, que se dá através de estratégias que integram quem produz quem vende, quem troca e quem compra. Com valores justos, pensando em consumo consciente, sustentabilidade e giro de capital nos territórios periféricos, a economia solidária é uma alternativa para o desenvolvimento local, pois valoriza a diversidade e os saberes populares, oferecendo subsídios para o desenvolvimento econômico dos territórios e para o pleno exercício da cidadania dos sujeitos periféricos.
Uma Ação Profética dentro de um ambiente (governamental) hostil
As ações desenvolvidas pelo conjunto de movimentos, pastorais e organismos nos últimos anos, apoiadas sobretudo pela cooperação solidária internacional, nos permitiram sistematizar informações que evidenciam uma nova e violenta onda de morte e destruição por todo o país, são as juventudes negras e periféricas, mulheres vítimas de todo o tipo de violência, a desterritorialização e o desmatamento, em todos os biomas, viabilizada pela desconstrução da institucionalidade ambiental brasileira e reestruturação do mercado de terras pelo atual governo.
São grupos sociais historicamente marginalizados que vem vivenciando com esse governo a erosão das suas bases e de seus modos de vida pelo cerceamento de seus territórios, transformados em zonas de sacrifício, pela expansão das atividades minerais (legais e ilegais), agroindustriais e seus corredores logísticos para exportação de commodities (soja, milho), através da grilagem de terras, da especulação imobiliária e da violência.
Temos alertado sobre a gravidade dos problemas que, por sua vez, são reforçados por essa agenda de devastação ambiental do governo Bolsonaro com suas autoritárias estratégias de desmonte. Uma dessas estratégias é a Medida Provisória 910, conhecida como ‘MP da Grilagem’, que torna “legal” a titularização de terras, normalmente inseridas em Unidades de Conservação – UC’s, e territórios ocupados por comunidades tradicionais, para fins do agronegócio e com larga utilização de agrotóxicos.
Temos buscado articular junto às organizações e movimentos sociais denúncias que essa proposta do governo deve incentivar a regularização de terras griladas, aumentar o desmatamento e paralisar os processos de demarcação de terras indígenas e territórios quilombolas, como também de outras comunidades tradicionais.
Enquanto coletivo, propomos unir esforços, nestes territórios do Nordeste, para a defesa dos direitos dos povos, comunidades tradicionais, agricultores familiares, indígenas, pescadores artesanais, ribeirinhos, que têm sua coexistência ameaçada, neste momento pela pandemia do COVID-19, mas também quando vem sendo negados a permanência em seus territórios, inviabilizando sua boa convivência, a partir do encerramento de programas importantes como o Programa 1 Milhão de Cisternas – P1MC e o Programa 1 terra, 2 águas – P1+2, que permitiam o acesso à água em qualidade e quantidade, tanto para beber quanto para produzir a partir de práticas agroecológicas.
Ainda no âmbito rural, políticas públicas como o PAA e o PNAE têm tido extrema importância por viabilizar a produção agrícola e pesqueira artesanal no Brasil, principalmente, dos pequenos produtores rurais. Em resposta aos efeitos da pandemia foi assinada a Medida Provisória nº 957/2020 de 27 de abril de 2020 que abriu crédito extraordinário para ações de segurança alimentar e nutricional, no âmbito do enfrentamento à pandemia para compra de produtos da agricultura familiar. Apesar da importância do governo federal em liderar e coordenar as políticas nacionais voltadas para esses pequenos produtores, os resultados revelam que os programas federais do PNAE e PAA atenderam de forma precária e tardiamente a demanda desses pequenos produtores durante a pandemia.
Outra questão que está ligada a fragilidade do atendimento básico a saúde das populações do campo, da cidade, das florestas e das aguas, é a não adoção e consequentemente a não implementação da política de assistência à saúde desses povos, tem levando a diagnósticos equivocados e tardiamente tratados, sobretudo na população que passa muito tempo exposta ao sol e a água muitas vezes com contaminantes, seja na área rural ou próxima aos centros urbanos e industriais.
Por não se tratar de uma pauta estratégica para o atual governo, existe atualmente uma enorme dificuldade em efetivar tais políticas, agravada também pela implementação de investimentos públicos no setor do agrohidronegócio, assumido por grandes produtores e agropecuaristas que exercem forte lobby junto aos órgãos de governo, pressionando a favor de interesses privados: subsídios públicos para produção transgênica em larga escala e para aumentar a concentração de terra e renda.
A Fome e o aumento das desigualdades em tempos de COVID-19
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN) realizou no final de 2020 um inquérito populacional visando analisar a Insegurança Alimentar no Brasil no contexto da pandemia da Covid-19. Dados recentes do último relatório divulgado em abril de 2021 pela Rede, revela que menos da metade dos domicílios brasileiros (44,8%) tinha seus(suas) moradores(as) em Segurança Alimentar. Dos demais, 55,2% que se encontravam em Insegurança Alimentar (IA); 9% conviviam com a fome, ou seja, estavam em situação de fome, sendo pior essa condição nos domicílios de área rural (12%).
Observou-se que a fome no domicílio dobra nas áreas rurais do país, especialmente quando não há disponibilidade adequada de água para produção de alimentos e aos animais. Domicílios com rendimentos de até ¼ do salário- mínimo per capita (SMPC) tinham níveis de insegurança alimentar grave: 2,5 vezes superior à média nacional dos domicílios.
Na área rural, relatos de redução dos preços de comercialização da produção se relacionaram com o dobro de insegurança alimentar no nível moderada ou grave. Nas regiões Nordeste e Norte do país foram observados os maiores percentuais de perda de emprego, de redução dos rendimentos familiares, do endividamento e corte nas despesas com aquisição de itens considerados essenciais para a família, todos referidos como efeito da pandemia.
Atentos e preocupados com as realidades colocadas acima, nós, pastorais, organismos e movimentos sociais da Região Nordeste, sugerimos um conjunto de proposições:
Eixo 1 – Comida para todos/as – Soberania, Segurança Nutricional e Alimentar –
A Agricultura Familiar e Camponesa, a Agroecologia, a Pesca Artesanal e Sustentabilidade Ambiental como prioridades efetivas de Governo:
Eixo 2 – Saúde é VIDA! – Vacina para todos/as e a defesa do Sistema Único de Saúde – SUS:
Eixo 3 – Renda Básica/Economia Solidária
Eixo 4 – Nossa Casa Comum –Terra/Território e Retomada do Projeto Popular
Que possamos juntos e juntas, esperançar e construir a sociedade do Bem Viver, com equidade e justiça socioambiental.
“Não deixe que lhes roubem a esperança” (Papa Francisco)
Articulação das Pastorais Sociais, CEBs, Organismos e Movimentos Sociais do NE.
Maio de 2021.
CAIS | Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais