Entre os dias 21 e 25 setembro, povos das águas, da floresta, do campo e da cidade estiveram reunidos para debater a retomadas de luta e união
Por Cláudia Pereira
Para chegar ao 13º Encontro da Teia dos Povos do Maranhão, os participantes realizaram longos percursos passando pelas águas e florestas, parte do bioma da Amazônia. Algumas caravanas fizeram até 18 horas de viagem para abraçar, cantar e partilhar o bem viver dos povos no conceito de terra livre. A 178 km da cidade de São Luís fica o território quilombola Janaubeira Benfica, município de Santa Helena, que acolheu mais 1.600 pessoas de vários estados do Brasil e de outros países. Um momento único de partilha para refletir a caminhada, luta e direitos dos povos.
Entre os dias 21 e 25 setembro, povos das águas, da floresta, do campo e da cidade estiveram reunidos para debater o tema “Na força das retomadas tecemos a nossa união”. O 13º encontro da Teia dos Povos do Maranhão decidiu aprofundar a reflexão diante ao contexto social e político para reforçar as estratégias de lutas. O território de Janaubeira acolheu todas e todes ao som do tambor, alegrias e ancestralidade. Foram quatro dias de vivências, energias positivas e partilhando das mesmas lutas e resistências.
Algumas pessoas participavam pela primeira vez, estavam em comunhão com a luta dos povos que articulam a caminhada a partir da Amazônia e do cerrado. “Valeu a pena cada hora que passamos viajando para chegar ao encontro da teia, aqui nos fortalecemos na esperança”. Disse Deise Ferreira, da caravana da Bahia, muito emocionada e participando pela primeira vez do encontro. “Precisamos continuar na luta e nenhum passo será dado para trás, resistiremos contra aqueles que nos oprimem, por isso estamos aqui juntos com os povos”. Disse Jurimar, do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB), ao se apresentar no primeiro dia de plenária.
Dom José Valdecir Santos Mendes, bispo da Diocese de Brejo (MA) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), esteve presente na abertura do encontro e reforçou a importância da teia dos povos, que analisa o Brasil que temos e o país que queremos. Para ele, os povos e comunidades tradicionais constroem o tecimento das lutas, a retomada dos territórios em defesa da vida e da casa comum.
A Teia dos Povos é muito além de um encontro, é o compromisso maior para o hoje e o amanhã. É o espaço dos povos para tecer a defesa da vida, das florestas e dos territórios. Em uma grande roda, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores, quebradeiras de coco, camponeses, sertanejos e geraizeiros, debateram temas sobre a violência, territórios, direitos, educação e fizeram denúncias. O barracão onde era realizada a plenária também era o espaço para descanso, no terreiro a fogueira era mantida acesa para aquecer os tambores e manter viva a luz da esperança que clareava a cantiga de roda das crianças. À noite o terreiro se transformou em plateia para assistir aos filmes Pureza e Bacurau. No solo sagrado do território de Janaubeira, as quebradeiras estavam presentes partilhando os frutos da luta e da palmeira. O mingau de coco babaçu além de alimentar o corpo, reforçou o grito de justiça e defesa da luta das mulheres e da palmeira do coco babaçu.
Rosalva Silva Gomes, quebradeira de coco e artesã, desde criança vivencia a luta dos povos, sobretudo das quebradeiras de coco do Maranhão. Ela e suas companheiras atualmente enfrentam os impactos do agronegócio que afetam as comunidades tradicionais. Um dos enfrentamentos é a derrubada babaçual, para dar lugar à soja que se aproxima cada vez mais das comunidades. Para a Rosalva o encontro da teia é forte pela coletividade. “Nós estamos aqui com várias denominações, estamos em coletivo porque acreditamos que a luta do bem viver se faz desta forma, porque a conquista também será no coletivo. Este momento aqui no 13º encontro é muito importante após o enfrentamento da pandemia, pois ficamos dois anos sem poder nos encontrar, então este momento é de fortalecimento”. Comentou Rosalva.
“É o momento para nós pobres debater muitos temas porque se vence com luta”
Para as quebradeiras de coco, a palmeira de babaçu tem uma relação interligada com todos os aspectos da natureza. O babaçu é mais que um símbolo. A planta alimenta e sustenta a fauna e a flora, por essa razão a palmeira do coco babaçu é chamada de mãe palmeira. Terezinha de Jesus Cunha, do município de Cidelândia (MA), que participa pela primeira vez, o momento é de muita alegria, principalmente pós pandemia. “É o momento para nós pobres debater muitos temas porque se vence com luta, principalmente nós que somos perseguidos. As leis existem, precisam ser executadas para ajudar a manter a nossa floresta de pé e também é preciso discutir a violência contra as mulheres”.
A voz de Teresinha se reflete também no debate das comunidades quilombolas do estado do Pará. Maria Salgado de Souza diz que o momento é para compartilhar experiências. Ela que vem da cidade de Oriximiná (PA) partilha dos processos de luta na conquista dos territórios Quilombolas. “Nós temos a conquista dolorosa do espaço, mas sofremos com as violações da presença das mineradoras e esta realidade também é de outros quilombos. Enfrentamos os grandes projetos que estão dentro da Amazônia. Estes projetos sustentam o discurso de que a Amazônia precisa ser desenvolvida, mas nós, que somos povos da floresta, sabemos que a Amazônia não precisa de desenvolvimento, mas sim de envolvimento, cuidado e amor. Desenvolver esse olhar é cuidar de nós mesmos”.
No segundo dia de encontro, indígenas e quilombolas partilharam de momentos do pertencimento. Os indígenas ao dançar um ritual convidaram os parentes que estavam presentes e uma grande roda se formou no terreiro sob a luz do sol que abençoava o momento. Após o ritual dos indígenas a comunidade quilombola abriu a roda para tocar e dançar o tambor e em pouco tempo todos estavam juntos sob o mesmo sol, vivendo e abençoando a força dos povos e das comunidades tradicionais. Após o momento de ancestralidade começaram as reflexões e troca de saberes. Na plenária foram expostos os currículos de candidatos ao pleito eleitoral que violam os direitos dos povos, as lutas dos territórios que enfrentam o latifúndio e o agronegócio que tem apoio do estado e contribui para a destruição do bioma. As mulheres partilharam sobre a violência e o patriarcado e debateram a violência no campo que aumentou nos últimos anos.
No último dia de encontro a reflexão foi ao dia estadual das Quebradeiras de Coco Babaçu. A data do dia 24 de setembro, foi instituída em 2011, para fazer memória ao encontro das mulheres envolvidas na luta e proteção da palmeira do babaçu no estado do Maranhão. Em uma mística apresentada no encontro das Teias do Povos, reforça a denúncia do assassinato de Maria José Rodrigues e seu filho José do Carmo Junior no ano de 2021. Mãe e filho foram esmagados por uma palmeira derrubada por um trator no município de Penalva (MA). Maria e José são vítimas do avanço do agronegócio. O Extrativismo do coco babaçu é uma força de produção do estado do Maranhão e que envolve atualmente mais 250 mil mulheres.
“Preservar a floresta em pé é nossa obrigação, ela nos sustenta, alimenta e fornece água, a floresta é sagrada. Tudo precisa ser preservado”. Disse a indígena Maria Roxa, da etnia Akroá-Gamella. Rosa além de partilhar saberes, benzeu e rezou pelos povos. Sempre ao final da tarde Rosa ficava no terreiro com ervas na mão para benzer cada um e cada uma que por ela passava. Rezava baixinho e a sua concentração parecia parar o tempo naquele momento de espiritualidade. Ela diz que o ato de benzer é um dom e irá fazer até o final de sua vida e deixará a sua semente.
Oscar Cotap Akraó-Gamella, do território do Taquaritiua (MA), reforça ao dizer que tudo que acontece na teia do Maranhão representa o Brasil, é espaço de intercâmbio com os povos tradicionais que considera um tesouro. “Aqui se confirma que não estamos só, temos força do nosso povo e dos nossos ancestrais, por isso reforçamos Não ao marco temporal. Os povos indígenas de todo o Brasil dizem Não ao marco temporal. Esse marco diz que desde 1988 quem não estava na terra não tem direito ao território, mas quando os portugueses chegaram no Brasil os povos indígenas já estavam nesta terra”. Os povos Akraó-Gamella estão entre quatro municípios do estado do Maranhão, há tempos o agronegócio e os grandes projetos têm invadido os territórios indígenas. O processo de retomada vai além do território, o povo luta pela educação, saúde e os direitos. A luta é para mudar a atual realidade em que as terras estão concentradas em mãos de políticos, empresários e os povos têm enfrentado a luta com a vida.
“A teia é todos e todos somos um. Hoje o Brasil está em Januabeira”. Disse Maria da Conceição Silva, conhecida como Concinha. Ela que também é dirigente da comunidade, fez parte da equipe que organizou a realização do encontro da Teia no Quilombo Carnaubeira Benfica. Concinha conta que a organização do encontro foi realizada em mutirão. A construção dos barracões de apoio para a plenária, os espaços de acolhida, cozinha e até mesmo os reparos na estrada de chão para os ônibus chegarem na comunidade, foram meses de trabalho e muita dedicação para acolher os participantes. A alimentação para os mais de 1.600 participantes que foi servida no encontro foi produzida pelas comunidades participantes. As comunidades plantaram arroz, mandioca, feijão, legumes, verduras e outros alimentos especialmente para o 13º encontro da teia dos povos. Durante os quatro dias de encontro aproximadamente cinquenta pessoas garantiram os trabalhos na cozinha em forma de mutirão para garantir as três refeições do dia sem nenhum produto processado, até mesmo os temperos dos alimentos foram produzidos para servir os pratos saborosos e saudáveis.
Para o antropólogo Igor de Sousa, a Teia é uma proposta política importante de grupos que convivem diariamente com a violência. “A teia está nos dizendo que um mundo melhor é possível. Os povos reunidos aqui estão propondo um avanço na relação do bem viver de maneira pedagógica e no coletivo”. Diz Igor, que pontua que todas as discussões apresentadas na Teia são urgentes e as ações conduzidas são práticas de libertação que ajudam a pensar sobre terra, dignidade e compreender o conceito de terra livre. A Teia dos povos, que nasceu no estado do Maranhão há treze anos, é fruto de uma semente plantada pelos movimentos nas décadas de 70 e 80 que lutaram pela liberdade e desenvolveram a luta pela reforma agrária.
CAIS | Centro de Assessoria e Apoio a Iniciativas Sociais